A alergia tem me impedido de demonstrar, mas encontro eufórico em poder descansar esses dias, na tranquilidade aquecida artificialmente por um pequeno aparelho branco colocado aos pés da minha cama, já que lá fora hoje amanhecemos com uma temperatura 2 °C, o que é bem incomum para alguém que cresceu no Centro-oeste. O simples ato de lavar as mãos numa torneira não aquecida é como se cortássemos o dedo em milhares de pequenas lâminas.
Assim como nos dias nublados, percebi que me identifico também com esses dias frios. São mais tranquilos. É como se a grandiosidade invencível da natureza pedisse aos homens por silêncio e contemplação. Me recordo dos grandes padres do deserto, refletindo e meditando os mistérios divinos na solitude silenciosa dos agrestes escarpados.
O frio também me torna ainda mais consciente da solidão. Sim. Parece que estar sozinho numa cama onde não se pode mudar de posição sem sentir certo desconforto nos torna mais conscientes de que ter alguém para abraçar tornaria tudo mais fácil ao compartilharmos do calor dos corpos e, quem sabe, se tivermos sorte, dos sentimentos. Algo meio schopenhaueriano, me remetendo ao dilema do ouriço. Gostaria que me fosse oferecida a possibilidade de me aproximar dos espinhos do outro, se isso me fosse dar algum calor a aquecer o coração frio e triste de quem dorme sozinho todas as noites.
Bem, a reflexão também é algo que solitária, apenas o silêncio da noite fria e essas palavras, lidas por poucos anônimos, chegaram a conhecer, mas não sei se consigo, por meio delas, expressar a dor, o vazio, o delírio que é estar consciente de si mesmo na cama, estender o braço e perceber, numa constatação que corta o coração como uma espada de aço frio, que isso é tudo.
É um grande contraste que esses dias frios se reflitam num coração que sempre amou de modo tão ardente, e nunca conheceu outro amor que não este. Que no calor se diminui pouco a pouco, reduzindo-se a uma pequena, fagulha. Tão invisível que nem sequer pode-se dizer com certeza que existe.
"O tempo voa às vezes como a ave e às vezes se arrasta como o verme. O homem sente-se bem só, quando não percebe que as horas passam depressa ou devagar." (Ivan Turgueniev)
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