quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Aforismos

Riona Buthello

Mais uma vez domingo, o pior e mais desgraçado dos dias da semana, que volta como parte de um ciclo infernal sem fim. E não há muito que eu queira ou possa fazer. 

Algumas coisas são tão belas e tão distantes da minha realidade que talvez nem possam dizer-se sonhos, mas quem sabe delírios de uma febre que nunca diminui. E então, nesse confronto de delírios e realidades, as palavras se vão, ficam apenas algumas imagens, esses relances românticos. Fogem-nas de mim como o amor sempre me fugiu também. Como uma lembrança turvada por décadas, como se houvesse um véu entre o eu e o objeto desejado.

Resta apenas isso, um sonho distante, um reflexo que não se vê direito numa janela coberta de gotas de chuva. Muitas delas escorrem, caem na terra e se perdem, se perdem... Se perdem como eu ao pensar nos amores que antes eu tinha, se perdem como eu ao ver todas aquelas histórias de amantes e enamorados. Se perdem como eu me perco, sentindo tanto e nada ao mesmo tempo que já nem sei que nome dar a isso. Perdido, sem amar e sem ser amado, mas amando as histórias de amor, que parecem ser a única coisa a trazer algum sentido a esse mundo. 

Como um homem tímido que vence suas próprias barreiras para ficar ao lado daquele que ama, ou o outro que, vendo o pretendente tão lindo e aparentemente inalcançável, nem sequer se atreve a pensar que ele o ama de modo incontestável. E aos poucos vão convivendo até que todas as camadas sejam transpostas, e reste apenas a sinceridade de estar junto ao outro. 

Eu não queria dormir de novo, não nesse dia incomodado pelo calor e o sol brilhante. Não queria mesmo. Mas o que mais eu poderia fazer, aliás, o que mais eu vou poder fazer nos próximos dias se o que era mais próximo de um plano se foi por água abaixo? Não haverá abraços de reencontro e nem lágrimas de emoção. Haverá o silêncio do meu sono por vários dias. E durante mais de meio ano eu esperei, esperei pelo momento que poderia dar um abraço forte, como foi aquele último, dois anos e meio atrás. Agora nem mesmo sei se chegarei vivo a um encontro depois disso. 

O que um homem sem perspectivas e dinheiro pode fazer numa cidade como essa em pleno verão? Aliás, que pode um homem como eu fazer, em qualquer época? Não preciso dizer da tristeza inerente a esses dias, aliviada talvez apenas pela ausência da raiva que normalmente me acompanha. 

Por não encontrar respostas para essas perguntas, eu vou dormir. Vou aos poucos me tornando uma lembrança turvada pela distância, como se houvesse um véu entre mim e a existência. 

É, não há muito mais que fazer. Parece que todos têm uma vida, que todos vão a bares, cafés, praias, cinemas e eu, apenas tenho essa vontade de simplesmente sumir, desaparecer. É essencialmente solitário ser eu, que sempre quis ir diante do outro. 

Como o sol que hoje brilha forte, amanhã poderá apenas uma lembrança distante pelas grossas nuvens de chuva. O amor que um dia me iluminou com clareza que a do meio-dia, agora não é nada mais, e permaneço em escuras trevas o tempo todo. Até que as trevas de um novo dia cheguem. 

"Depois que te amei, também por mim senti
Este esquisito amor de não andar comigo..."
 

(Belo Teixeira de Pascoaes)

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