quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Aforismos

"Quantos amores jurados pra sempre, quantos você conseguiu preservar? (...) Quantas pessoas que você amava hoje acredita que amam você?" (Oswaldo Montenegro)

Por um instante, enquanto pensava em paixões antigas, que se foram sem olhar para trás, e também paixões confusas que, por silêncio, me deixam anos na escuridão, a espera da candeia que pudesse tirar do alqueire. E aí brilhou, não numa foto desses passados, mas num vislumbre futuro.

Não quero, não deveria. Mas eu posso voltar a me apaixonar, posso permitir que ao menos essa luz se reacenda dentro de mim. Mesmo sabendo quanta dor uma paixão pode causar, ao menos é uma dor que mostra que o homem vive, se é capaz de amar é porque está vivo. Talvez, mesmo não querendo por conta de toda a dor passada, eu devesse tentar abrir o coração ao amor... Talvez eu devesse tentar superar esse medo de amar. Como cantava o Pe. Zezinho, scj, explicando que as pessoas fogem do amor, e depois que se esvaziam, no vazio se angustiam, e aí duvidam de Você (Deus). E esse foi bem o caminho que tomei, fugi, me esvaziei e agora questiono esse mesmo amor que antes me era o motor para tudo o mais. Mas o que era o amor que sentia e que hoje se parece ter perdido, esmaecido, fugido para algo tão profundo dentro em mim que se entranhou do mesmo modo que as rochas se sedimentam com o passar das eras e se torna difícil até mesmo dizer onde começa uma e termina outra...

Porque numa ocasião em que este explicava com muitos pormenores o mecanismo do amor, interrompeu-o para perguntar: “O que é que se sente?”. José Arcadio deu-lhe uma resposta imediata: - É como um tremor de terra. (Gabriel García Márquez)

Eis que veio sobre mim aquele torpor, já desde a noite anterior. Ontem eu não conseguia reagir, como se uma pesada bola de ferro estivesse não em meu pescoço, mas em minha cabeça. E foi horrível, e o dia se passou como se não existisse, apenas como um borrão. E cada vez mais dias estão assim. E, não raramente, chego a pensar que a própria vida é assim. Percebo isso olhando meu quarto, não é preguiça, mas já há vários meses ele está uma grande bagunça, e eu sempre digo que quero organizar, e sempre acaba ficando pra depois. E depois, e depois. E então as coisas vão se acumulando. Os livros, os terços, as roupas da pilha "ainda dá pra usar." E assim vi seguindo, um dia após o outro, e eu chego, cansado, chateado, deito pra ouvir uma aula, levanto pra comer e assistir uma série, e deito na esperança de adormecer o mais profundamente possível. E as coisas continuam bagunçadas. Também me veio certa vontade de chorar. Acho que vou abrir um vinho.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Como num deserto...

Gustave Coubert

Me entristeço em saber que, numa sexta à noite, você se sente sozinho. Também me entristeço em notar que na mesma noite também me sinto assim. Acho que há algo de injusto nisso, principalmente levando em conta tudo o que... Ah, quer saber, é melhor deixar pra lá. Não dá pra bancar o homem que brada aos céus clamando por justiça agora. Apenas aceitar, fechar os olhos e dormir, abraçando a solidão que nos acompanha. 

Acredito que não haja mais nada que se fazer. Por isso os corações são sepultados cobertos de terra, donde já não servem mais que alimento aos vermes. Não me atrevo nem mesmo em pensar que pode ser o caso de pessoas certas na hora errada, isso é ainda de um romantismo irreal. Sou apenas como aquele João, o Batista, clamando no deserto. 

Mas a voz daquele que clama se perde por essas paragens, como o calor que persiste durante o dia, e na noite se esvai porque não encontra em que possa se agarrar. Se há, no entanto, um fonte a verter água fresca e cristalina, rodeada de uma vegetação verde e mais bela que os adornos de um rei, então se encontra frescor que permanece junto ao homem. Quem vaga no deserto encontra os extremos alterosos, padece de calor e frio, não tem paz, não há lugar para recostar a cabeça, não há exílio para ele no mundo. Os desertos do amor são iguais.

Também eles nos mostram suas ilusões, as miragens, são essas palavras que, ditas muitas vezes pelo próprio enamorado, acabam pro fazê-lo crer que o que ele sente se realizará. Essas ilusões são ainda mais intensas quanto maior a desidratação e mais profundo no deserto se vai, no entanto, quando cai em extremo desmaiado, esse pobre percebe que acreditou numa imagem que nunca existiu, e que só há fonte de água tão longe dali que ele jamais chegará a ver; Então, num rompante realista, ele percebe sua pele destruída pelo sol, o corpo em exaustão, e entrega sua consciência ali, caído naqueles pequeninos grãos que poderiam ser de ouro, mas são apenas pequeninas porções ferventes de um mundo real demais.

Depois de semanas eu fiz a barba, arrumeis as unhas, cortei o cabelo. Mesmo sabendo que aquela cretina vai encontrar motivo para me criticar. Uma pessoa que gostaria de ver destruída, para sentir o que faz aos outros.

É assim que as coisas são. Não há belas fotos para anunciar produtos, nada de pele perfeita, cabelo arrumado, corpos esculturais. 

A realidade é esse deserto, 

quente, 

incômodo, 

solitário. 

Permaneço, então, em intenso pessimismo, a espera de mais nada além do fim. Partirei feliz por não ver mais nada, nem amores desfeitos, nem chefes abusivos, nem burgueses estúpidos. Apenas o tao desejado escurecer do fim, afinal, se não há amor, não há nada.

"As histórias que perseguem as pessoas até seus quartos de dormir são difíceis." (Virginia Woolf)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Sussurro

Lucian Freud

Um sinal claro da desilusão: a perda do sentido e da vontade. Já saio de casa todas as manhãs esperando pelo horário que poderei voltar, voltar pra minha cama, voltar para onde não preciso ver e nem ouvir mais ninguém.

E tudo isso enquanto vejo o mundo ao meu redor desmoronar uma vez mais. Todos fazendo um esforço tremendo, lutando, lutando, o desejo de sobrevivência, de alguém que viveu bastante, por alguém que começa a respirar agora, e eu sem força para mais nada. Cadáver adiado apenas, resto de rancor, casca vazia cheia de nada. Uma vez sonhei tão alto, que agora me vejo incapaz até mesmo de ter pesadelos. 

Só quero voltar para aquele forno nesse verão horrível, e esperar algumas horas para começar tudo de novo num outro inferno. Preso nesse eterno retorno, nesse ciclo infernal, como uma espécie de condenação eterna.

De que adianta preocupar se não terei forças para mudar esse destino? Só o que posso fazer é olhar, como quem olhar o horizonte, tão distante que ninguém nem ao menos tenta alcançar. É dessa forma que contemplo o mundo, aqueles que me rodeiam, o futuro, com um ceticismo profundo, um pessimismo tão arraigado no meu ser que, em verdade, pode-se dizer que eu mesmo não tenho futuro. 

De que adianta tentar falar se não conseguirei dizer e, se me conseguir, não me darão ouvidos? E me refiro a falar de todas as formas, pois nas últimas semanas não conseguido escrever. Os aforismos que consegui, com muito esforço, colocar para fora, são quase ininteligíveis, ao menos é o que me parece, pois continuo incompreendido. Me disseram que devo observar isso como aquela minha explicação sobre a respiração, momentos de fôlego total e momentos de pausa em que retomamos o fôlego.  Seja o que for, o sentimento geral ainda é de incompreensão, e esse parece que vai permanecer até os últimos dias. 

Preciso fazer o movimento de que falava Nietzsche, acolher e transformar o vazio, mas, no momento, tudo que tenho é a dor. O nada. Onde nem a beleza, nem uma canção de amor, me fazem feliz. 

"Quem se atreve a construir novos céus só encontra a fundação nas cinzas do seu próprio abismo. Na obscuridade do abismo interior, onde o niilismo inicialmente sussurra e posteriormente exclama, o espírito se depara com o vazio." (Friedrich Nietzsche)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Exílio e Desilusão

"EXÍLIO. Ao decidir renunciar ao estado amoroso, o sujeito, se vê com tristeza exilado do seu Imaginário." (Roland Barthes)

Houve um momento nessa manhã quente e desagradavelmente abafada que, por um relance, sem qualquer razão aparente, eu desejei voltar a amar. E talvez tenha sentido meu coração palpitar, e suspirei fundo, e continuei, de olhos fechados, esperando que passasse, me concentrando na sensação da pele úmida, nas gotas de suor no rosto, no barulho dos carros, preguiçosos, tão cedo. 

Manhãs são sinais de recomeço, carregam em si essa renovação. Mas eu olho no espelho, ou no meu reflexo no vidro dos ônibus, e vejo apenas a face de um assassino, que matou em si sua própria capacidade de ir ao próximo, e que agora mata o resto que sobrou. Não há recomeço, nem salvação.

E então permaneço aqui. 

E é isso.

Havia planejado cuidar um pouco de mim, mas, agora que esse dia chegou, eu só quero ficar na cama. Não quero me barbear nem tampouco arrumar as unhas, não quero nada. Inclusive não quero pensar no inferno que deve ser amanhã, nem no calor que deve continuar, nem na minha cabeça que dói como se estivesse de ressaca e nem em como tinha várias ideias pra esse texto, mas agora todas se esvaíram, perdendo-se no tempo e no espaço, retornando para o nada do esquecimento. 

Vou tomar alguns remédios e dormir, 

apenas isso. 

Por alguns momentos eu quis perguntar, se eu deveria voltar ou continuar o amando, mas acredito que já tenha minha resposta. É melhor não voltar a amar, ninguém, nunca mais. De uma das piores fases da vida é quando nos desapaixonamos dela. Não é que todos desistam de viver, como eu, mas tudo perde a graça. Ficamos num automatismo infernal, à imagem do ourobouros no ciclo do inferno, em nada encontramos prazer, brilho, cor ou sabor. Tudo vira apenas uma lista de obrigações. É quase impossível fazer o coração bater de novo.

E vejo que não sou o único nessa situação. Só dentro da minha cama vejo a posição persistente e estoica, quase niilista do meu pai. A resiliência autodestrutiva da minha mãe, e como uma família assim vai conseguir cuidar de uma criança que precisa de tudo que já não temos, como amor, força e vontade?

Haverá salvação, mesmo para nós? Não consigo acreditar nisso. 

E hoje estou me arrastando. Seja por não ter descansado o bastante ou por estar deprimido. Talvez seja falta de café também. Talvez seja o ódio profundo arraigada no meu ser, as palavras ásperas que venho engolindo. 

Nisso, percebendo então como foram os últimos dias, entre o ódio e a indiferença, sem nada querer, buscar, desejar, eis que me deparo com uma breve citação que me cai como uma bola de aço no colo, com todo o peso da verdade. Com ela, entendi o motivo de, além de desanimado, sequer conseguir escrever sobre isso. 

Me vejo exilado até mesmo das minhas imagens de beleza, minhas composições de sombra e luz onde sobrepunha minha imagem com as dos príncipes e anjos desse mundo. Agora tudo se foi, aquela beleza inalcançável, além de permanecer distante, agora parece irreal. Tudo se desfaz em aparências de intimidade que se esvanecem como fumaça, se desfazem, voltam ao nada. Como eu queria voltar, como desejo voltar um dia, e que eu espero que não tarde. 

Me vejo ir contra o salmo, 
desejando encontrar a cada esquina 
o caçador e a peste inclemente, 

a flecha que irrompe o coração, 
o terror que invade a alma 
e destrói a esperança, 

pisando, por último, no amor, 
traído, ferido, 
abandonado pelos mais queridos. 

E por isso a beleza não parece mais do que isso, uma grande mentira, assim como o amor. Não existe.

Queres falar de realidade? Vejam os ladrões nas notícias, o ódio estampado em cada frase daqueles ao seu lado. A completa indiferença daqueles que se dizem amigos. 

Amigo não há.
Amor não há.
Esperança não há.

O que há então?

Ha uma porção de terra sobre o cadáver. 
E uma pá de cal sobre o túmulo. 
Algumas orações murmuradas, 

nada mais. 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Aforismos

Não é como se as ideias tivessem sumido no instante que vi o espaço branco em minha frente. Não, já estava tudo em branco antes, eu apenas me dei conta da vacuidade do meu pensamento. Ou seria do meu coração?

Me pergunto se pode ser o excesso de telas e conteúdo nas redes sociais. Ou a obrigatoriedade das conversas intermináveis com o intuito de não ficar completamente isolado de todos. Ou uma resposta depressiva ao meio intelectualmente hostil em que estou. 

Mais um dia começou, um dia preguiçoso, abafado, com avisos de chuvas intensas. Queria poder voltar pra casa, dormir o dia todo, e quem sabe acordar com um pouco mais de vontade para ver ThamePo logo mais à noite.

Talvez eu devesse pegar um café. Ontem e pedi pizza, e talvez os pedaços frios dela sejam a melhor coisa que vai me acontecer hoje. 

Ando um pouco irritado. Com a burrica, a estupidez, a mesquinharia... Minha e também dos outros. Me irrito de minhas escolhas, me irrito das ideias idiotas que sou obrigado a seguir. Mas que posso fazer? 

Acho que é mais do que um café pode dar conta. 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Aforismos

A mente um pouco pesada, parece que estou de ressaca, mas não. É apenas o velho pessimismo tomando conta de mim outra vez, deixando tudo cinza, sem graça, meio assim, sei lá. 

Contraste entre mim e o mundo brilhante num dia de verão. A minha inspiração esses dias desapareceu completamente, como o sol faz sumir as poças de água das chuvas finas da noite. Não gosto disso. Sinto falta da minha profusão de pensamentos que me faziam escrever poesias. Sinto falta. Bem, convenhamos que passei tanto tempo sentindo tanto que, agora, quando já não sinto mais nada, parece que sinto falta de sentir, sinto falta de amar, mesmo que lembre o quanto amar é dolorido. Parece que, assim como a chuva, o sol, a inspiração, a alegria, o amor também passa... E o que fica?

X

E eis que sinto que em breve nos separaremos. Minha verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia. Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.

Para cada um de nós - em algum momento perdido na vida - anuncia-se uma missão a cumprir? Recuso-me, porém a qualquer missão; Não cumpro nada: apenas vivo. (Clarice Lispector)

X

Espero que não torne a sentir nada, por isso virei o rosto, cortei a conversa, não queria olhar aquela franja, quando precisei fitá-lo, prestei atenção apenas nas marcas daquele rosto. Como se focar em seus defeitos fosse me impedir de tornar a me apaixonar. Não é isso que vai me impedir, mas a minha descrença no amor, é isso. É olhar para a beleza e sentir nada além de indiferença, nem desejo e nem repulsa, indiferença.  

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Aforismos

Albert Camus (Foto: Valeria Chaves/Ed. Record)

Minha cabeça parece que vai explodir, já tomei vários remédios e não adiantou. Parece que a qualquer momento realmente vai lançar miolos a esmo. 

Algo mais também dói, parece que vai explodir, mas não sei como é espalhar saudade a esmo. 

É que essas partes que meu ser se dividiriam, muitas delas são partes de você em mim. É assim aqui dentro. Me sinto frágil, vazio e sem contorno, e já não me vejo mais em mim, e o pouco que vejo, é mais você do que eu, e aos poucos vai desvanecendo. 

Odeio quando as ideias desaparecem assim, mas parece que terei de me acostumar. Talvez o meu normal de agora em diante seja viver a mercê de um eterna efemeridade, onde as coisas que encantam se vão rapidamente, num piscar de olhos.

E então penso no amor, pois já não consigo devanear como antes, até isso roubaram de mim. Vermes malditos! 

Alguns diriam que ainda é cedo, que não conheci direito a vida, e já estou anunciando a hora da partida. Que não essa partida a única capaz de mostrar a verdade profundamente escondida.

Senti sua falta nos últimos dias e, admito, foi a única coisa que senti desde muito tempo... 

Eu venho me sentando ao lado dele quase todos os dias desde o fim do ano passado. Um tempo atrás eu teria enlouquecido de alegria, mas, embora tenha até ficado meio animado com isso, hoje eu vim desejando até mesmo que ele não aparecesse. 

Porque não importa mais, nada importa. 

Tornei-me uma pessoa que anda pela cidade, quando ela está vazia, as casas e os prédios com luzes apagadas e ruas com vento frio gritando nos ouvidos. 

"Me recuperei daquele dia
mas eu nunca mais voltei a ser eu mesmo."

arman

sábado, 11 de janeiro de 2025

Aforismos

Esqueci completamente o que queria dizer, se foi, escondeu-se por entre as nuvens escuras e pesadas como o sol de um verão atipicamente nublado. Será que ainda há alguma luz por depois desta grande muralha? 

E então eis que nos tornamos frios, distantes, desanimados. E que a vida nos parece cada vez mais desanimada. E tudo parece tão distante. E eu tão sozinho. E o doce não tão doce. E o amor mais uma mentira contada pra nos ludibriar. E a felicidade também. E o desânimo e a dor parecem as únicas coisas reais por aqui.

X

Ele pediu que o outro ficasse parado um momento, e então se aproximou, olhou-o nos olhos fixamente, contemplando a ternura que havia naquela negritude. Aproximou-se mais ainda, pensou nas palavras de seu amigo, elas ecoaram: "se você quer saber se gosta dele, aproxime-se, toque-o e então, se sentir seu coração bater mais rápido, isso é o que chamamos de amor". E foi isso que aconteceu, quando ele o envolveu num abraço, quase assustado, porém, sincero. Confirmou-se aquilo que todos já sabiam, menos aquele que abraçara: 

era amor.

X

POEMA PERDIDO

Porque eu trazia rios de frescura
E claros horizontes de pureza
Mas tudo se perdeu ante a secura
De combater em vão

E as arestas finas e vivas do meu reino
São o claro brilhar da solidão


(Sophia de Mello Breyner Andresen)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Aforismos

"Tudo que amei,
amei sabendo que 
acabaria."

(Mukowski)

E acabou, acabou mesmo antes de começar. Acabou simplesmente porque não era amor, não era nada, como tudo o mais. 

Já não ouso mais amar. Não creio mais no amor. Não me permito mais. Apenas olhar para alguém é o suficiente para tudo se revirar dentro de mim e eu me afastar com asco de quem quer que seja.

"Que pena, meu bem. Meu coração 
era tudo que eu tinha de valor, mas 
agora está quebrado e eu não tenho
mais nada para te dar."

(Mukowski)

E é isso, não sobrou mesmo mais nada. Me tornei sala vazia, fonte lacrada, jardim fechado. Choraria se ainda tivesse lágrimas, e não digo essas palavras com orgulho ou afetação. Apenas digo, como quem olha o céu e diz "o sol se foi."

X

Vi uma pessoa dizer que as segundas são oportunidades de recomeço. Discordo. Segundas são uma recordação das obrigações que nos esmagam, que mais uma semana infernal de abusos e assédios vem por ai. Segundas são o pior que a humanidade tem a oferecer urrando por entre as vinhetas do Fantástico, ou um espírito baixo e atormentado sussurrando o quanto somos miseráveis. Segundas são insuportáveis porque as pessoas as fazem insuportáveis. São como um abraço num cacto cheio de malditos espinhos. E querem que você reapareça sorrindo, bem, feliz e saudável, concordando com cada ideia idiota de burgueses imbecis. Estamos cercados deles. E eles amam segundas. E eu já acho que elas revelam o que de pior há nessa nossa humanidade fracassada. Tudo que eu queria era tomar um grande porre, ou encher a cara de todos os remédios possíveis e passar direto pelas segundas. 

X

Queria conseguir definir com mais precisão o que venho sentindo. Não é uma indiferença, pois se fosse não me afetaria de modo algum. Mas, ao mesmo tempo, eu olho para as coisas com uma descrença imensa, com uma infelicidade total, um pessimismo máximo. É como se eu estivesse triste por ter perdido a fé na possibilidade de as coisas melhorarem. 

E então todos os dias transcorrem da mesma maneira, num tédio tremendo, numa lida constante com a imbecilidade burguesa, sem nem ter disposição para escrever. 

X

Você vai morrer, eu vou. Todo mundo vai. 
A vida não espera. 
Ela corre, devora, e você tem que correr atrás ou fica para trás. 
A verdadeira pergunta não é se você vai morrer, mas se vai viver antes que isso aconteça. 
Vai amar, vai se perder, vai falhar, vai lutar, vai se jogar de cabeça no que realmente importa? 
Porque, no fim, só sobra o que você foi corajoso o suficiente para viver.

(Charles Bukowski)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Aquela Delicadeza

Aquela delicadeza me toca, de algum modo. Sem o trocadilho da cena. O toque singelo dos dedos de Mick no peito de Top, o sorriso doce de quem se encontra ali em plena satisfação de seu amor. Não era uma cena sexual, embora sensual, era repleta de desejo, mas completa em delicadeza. O sol banhando seus corpos, camisas abertas depois de brincarem na água daquele rio escondido em algum lugar de uma estrada fora da cidade. Uma eletricidade passava de um a outro, de um corpo a outro, de um sorriso a outro, e então tocava o profundo de um coração a outro. Eram então duas pessoas, depois que se conheceram, eram amor. Seus olhos, só ternura, eram uma luz que os guiava com mais clareza que a luz do dia. Era uma primavera rompendo o frio inverno. Uma flor quebrando o concreto cinza. 



segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Último dia

Último dia
A calmaria antes da destruição
Os demônios rugem no horizonte do alvorecer

Venho pensando no quanto mudei, olhando para pouco mais de um ano atrás, e notando o quanto me tornei cético ao amor. Hoje, diferente do homem apaixonado de tempos atrás, eu vejo que não sou mais capaz de amar, nem mesmo a minha mãe ou sobrinho, não sou mais capaz de amar nada e nem ninguém.

Posso até me sentir confortável com alguém, ou gostar de uma música, ou série, mas amar como já fiz, e querer falar sobre o tempo todo, e tentar me aproximar, mas amar, não mais. 

ThamePo tem me feito derramar lágrimas todas as sextas, tem sido uma história linda e cativante como não via há muito tempo. O mesmo vale para Your Sky, por motivos diferentes, pela doçura e leveza de Thomas e Kong e a química que eles exalam juntos, como num conto de fadas. Mas, não é a mesma coisa. Não consigo mais, por exemplo, ir pras redes sociais e falar disso por horas depois de cada episódio. É como se a emoção fosse ainda mais fugidia, passageira, vem e vai num instante. 

Em dado momento do dia, quando o sol brilha forte, e eu fecho a cortina fina de tecido verde, meu quarto todo se ilumina de dourado, e até minha pele ser de ouro. É uma bela visão.

Eu não queria deixar de te amar, mas não poderia continuar como era antes. E o que você me diz? Quer que eu continue te amando?

Depois que as lágrimas secam, que o sorriso cessa, se vai também o interesse e fica apenas um vazio. 

Me sinto apenas assim

vazio 

"E sendo tão jovem e mergulhado na loucura, me apaixonei pela melancolia" (Edgar Allan Poe)

sábado, 4 de janeiro de 2025

Ser ou Estar

"Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre; só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas." (E. E. Cummings)

Num dia tão quente, poder sentir a brisa fresca do mar no meu rosto foi um alívio. O suor descia em linhas finas pelas minhas bochechas e pescoço. Foi diferente, tanto pelos vários meses que não voltava lá, quanto pela companhia. Me sentia inseguro com minha aparência, além de gordo, perguntava se estava afeminado demais por usar shorts e um quimono florido. Ele, como um homem simples. Não fui com nenhum interesse, e como venho dizendo há tempos, espero não ter mais esse tipo de interesse mais. Então tratei de sufocar toda e qualquer faísca que surgia na minha cabeça.

Mas, ainda assim, poder contemplar o mar cinza-escuro, as nuvens de chuva se formando e escondendo o sol que, timidamente, brilhava no fim de tarde, foi bom. Sentia falta desse espetáculo significando o infinito. Fechei os olhos, respirei fundo sentindo o cheiro da vida preencher meus pulmões. Ouvi a conversa apressada dos turistas de outros países e sorri, sorri simplesmente porque, embora infeliz e sem esperança, estava ali.

Ao mesmo tempo não estava. A mente divagava, longe, nem sei dizer em que paragem se perdia. Estava consciente da companhia ao meu lado, estava consciente do calor que fazia embaixo da batina no calor do início de janeiro na missa da manhã, estava consciente dos pássaros que passavam rápido e da movimentação num dos pontos turísticos da cidade. Mas, ao mesmo tempo estava distante, perdido em mil galáxias, em dezenas de histórias, mundos tão distintos que nem conseguiria descrever.

E isso mostra um pouco do quanto eu gostaria de não estar aqui. 

Queria poder romper a relação entre ato e potência no meu ser, e deixar de ser, retornar ao nada, desfazer o ato e deixar a potência no não-ser. 

Hoje foi mais um dia que dormi a maior parte do tempo. E não há nada que eu queira fazer. Retomei um curso de um assunto que me interessa, mas não foi o bastante pra ficar acordado o dia todo. A quantidade de remédios que tomei nos últimos dias é um absurdo, e isso vai ter um impacto terrível, como posso prever. Mas, que mais posso fazer? Ou melhor, o que mais há para se fazer nessa vida miserável? Já não vejo graça no beber, ou em procurar alguém nos aplicativos de encontro e pegação. Já não vejo graça em tentar fazer amigos... Já não vejo graça em nada. 

E, antes que percebesse, os dias passaram, 

vazios...

e eu nem gostaria de estar aqui.

"Eu estava morrendo e ninguém se importava, nem mesmo eu" (Charles Bukowski)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Clima de Festa

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Augusto dos Anjos)

O clima de festa domina, camisas brancas, o espocar dos fogos, as músicas, sorrisos e abraços. Mas eu não. Há dias que não faço outra coisa além de dormir, e só. Hoje não foi diferente. Dormi o dia todo, na esperança de que isso destrua meu fígado e tudo o mais por dentro por conta do grande número de remédios, acordei, fui para a missa e bem, danem-se as comemorações de Ano Novo, vou dormir de novo.

Poderia falar de como achei bonito ele abraçando os parentes na casa cheia de gente, enquanto voltava eu pra casa. Poderia falar de como fiz carinho naquele meu amigo, num momento delicado, sem segundas intenções. Poderia falar da saudade, de como queri revê-lo e abraçá-lo. Poderia, mas nada disso vale nada. Vou enforcar todos esses sentimentos dentro de mim, e iniciar o ano com todos eles mortos, 

como eu estou morto. 

como eu deveria me enforcar.

Numa noite onde todos estão em festa. 

E eu preparo meu próprio sepulcro.

Noite,
não estás sozinha.
há inúmeros outros eremitas. 

(Qassim Haddad)