quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Clima de Festa

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Augusto dos Anjos)

O clima de festa domina, camisas brancas, o espocar dos fogos, as músicas, sorrisos e abraços. Mas eu não. Há dias que não faço outra coisa além de dormir, e só. Hoje não foi diferente. Dormi o dia todo, na esperança de que isso destrua meu fígado e tudo o mais por dentro por conta do grande número de remédios, acordei, fui para a missa e bem, danem-se as comemorações de Ano Novo, vou dormir de novo.

Poderia falar de como achei bonito ele abraçando os parentes na casa cheia de gente, enquanto voltava eu pra casa. Poderia falar de como fiz carinho naquele meu amigo, num momento delicado, sem segundas intenções. Poderia falar da saudade, de como queri revê-lo e abraçá-lo. Poderia, mas nada disso vale nada. Vou enforcar todos esses sentimentos dentro de mim, e iniciar o ano com todos eles mortos, 

como eu estou morto. 

como eu deveria me enforcar.

Numa noite onde todos estão em festa. 

E eu preparo meu próprio sepulcro.

Noite,
não estás sozinha.
há inúmeros outros eremitas. 

(Qassim Haddad)

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