"EXÍLIO. Ao decidir renunciar ao estado amoroso, o sujeito, se vê com tristeza exilado do seu Imaginário." (Roland Barthes)
Houve um momento nessa manhã quente e desagradavelmente abafada que, por um relance, sem qualquer razão aparente, eu desejei voltar a amar. E talvez tenha sentido meu coração palpitar, e suspirei fundo, e continuei, de olhos fechados, esperando que passasse, me concentrando na sensação da pele úmida, nas gotas de suor no rosto, no barulho dos carros, preguiçosos, tão cedo.
Manhãs são sinais de recomeço, carregam em si essa renovação. Mas eu olho no espelho, ou no meu reflexo no vidro dos ônibus, e vejo apenas a face de um assassino, que matou em si sua própria capacidade de ir ao próximo, e que agora mata o resto que sobrou. Não há recomeço, nem salvação.
E então permaneço aqui.
E é isso.
Havia planejado cuidar um pouco de mim, mas, agora que esse dia chegou, eu só quero ficar na cama. Não quero me barbear nem tampouco arrumar as unhas, não quero nada. Inclusive não quero pensar no inferno que deve ser amanhã, nem no calor que deve continuar, nem na minha cabeça que dói como se estivesse de ressaca e nem em como tinha várias ideias pra esse texto, mas agora todas se esvaíram, perdendo-se no tempo e no espaço, retornando para o nada do esquecimento.
Vou tomar alguns remédios e dormir,
apenas isso.
Por alguns momentos eu quis perguntar, se eu deveria voltar ou continuar o amando, mas acredito que já tenha minha resposta. É melhor não voltar a amar, ninguém, nunca mais. De uma das piores fases da vida é quando nos desapaixonamos dela. Não é que todos desistam de viver, como eu, mas tudo perde a graça. Ficamos num automatismo infernal, à imagem do ourobouros no ciclo do inferno, em nada encontramos prazer, brilho, cor ou sabor. Tudo vira apenas uma lista de obrigações. É quase impossível fazer o coração bater de novo.
E vejo que não sou o único nessa situação. Só dentro da minha cama vejo a posição persistente e estoica, quase niilista do meu pai. A resiliência autodestrutiva da minha mãe, e como uma família assim vai conseguir cuidar de uma criança que precisa de tudo que já não temos, como amor, força e vontade?
Haverá salvação, mesmo para nós? Não consigo acreditar nisso.
E hoje estou me arrastando. Seja por não ter descansado o bastante ou por estar deprimido. Talvez seja falta de café também. Talvez seja o ódio profundo arraigada no meu ser, as palavras ásperas que venho engolindo.
Nisso, percebendo então como foram os últimos dias, entre o ódio e a indiferença, sem nada querer, buscar, desejar, eis que me deparo com uma breve citação que me cai como uma bola de aço no colo, com todo o peso da verdade. Com ela, entendi o motivo de, além de desanimado, sequer conseguir escrever sobre isso.
Me vejo exilado até mesmo das minhas imagens de beleza, minhas composições de sombra e luz onde sobrepunha minha imagem com as dos príncipes e anjos desse mundo. Agora tudo se foi, aquela beleza inalcançável, além de permanecer distante, agora parece irreal. Tudo se desfaz em aparências de intimidade que se esvanecem como fumaça, se desfazem, voltam ao nada. Como eu queria voltar, como desejo voltar um dia, e que eu espero que não tarde.
o caçador e a peste inclemente,
o terror que invade a alma
e destrói a esperança,
traído, ferido,
abandonado pelos mais queridos.
E por isso a beleza não parece mais do que isso, uma grande mentira, assim como o amor. Não existe.
Queres falar de realidade? Vejam os ladrões nas notícias, o ódio estampado em cada frase daqueles ao seu lado. A completa indiferença daqueles que se dizem amigos.
Amor não há.
Esperança não há.
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