sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Arquitetura do Delírio

"O corpo que imagino me queima mais do que qualquer corpo real poderia." (Anaïs Nin)

Na noite escura eu busco aquele por quem minha alma clama... 

Na escuridão velada me vem esse ímpeto de desejo. Me vem a imagem daquela pele alva, tornando-se vermelha pouco a pouco. E eu começo a ofegar, mas o que sai de meus poros não é suor, e sim o querer que me transborda. Sinto as fibras do meu corpo se retesarem: uma chama arde bem no meu peito, e vai me destruindo de dentro para fora. Espalhando-se lentamente, do coração para as extremidades. Os músculos dos meus braços e pernas preparam-se para algum esforço. De meus lábios escapam pequenas lufadas de ar, inebriadas de um prazer que ainda não se fez. O calor aumente a medida que se aproxima de minhas mãos: tenho certeza que poderia queimar a pele dele se o tocasse. E então, se fecho os olhos, esses archotes impregnados de óleo, sentem o membro dele pulsar. Não é tão grande, ligeiramente mais escuro que o restante de seu corpo. A cabeça, vermelha, brilha com o líquido que dela escorre, evaporando em contato comigo. 

Posso sentir também o corpo dele desejando por isso, sua respiração diz mais do que palavras seriam capazes de dizer. Começo os movimentos de vai e vei, ele morde os lábios, que ficam vermelhos como se fosse sangrar, e isso aumenta ainda mais meu desejo. Aquele pequeno corpo entre minhas mãos treme de prazer, e eu tenho vontade de fazer mais, de abrir suas pernas, de penetrar aquele corpo enquanto ainda o seguro firmemente até que me entregue aquela explosão nívea. Mesmo sendo uma fantasia, eu consigo sentir cada detalhe: as veias pulsantes, cada choque percorrendo seu corpo quando toco sua glande ou desço um pouco mais. 

Ele se retorce, completamente dominado pelos meus braços. Enquanto seus gemidos se intensificam, o meu olhar se acende completamente em chamas. Freneticamente eu continuo a tocar, e ele, já sem controle de si, aperta uma almofada com as mãos e deixa seus lábios ainda mais vermelhos quando, num rompante, faço com que seu corpo fique coberto daqueles fios prateados, enquanto ele arfa, sem fôlego. Me curvo diante dele e o faço estremecer de novo ao tocar com os lábios o topo de seu membro, sentindo o gosto daquele momento e, depois, seguindo adiante, com a língua, buscando cada pequena gota daquele precioso líquido, enquanto ele me olha, enrubescido e envergonhado, principalmente quando me aproximo de seu peito e, ao engolir a última pequena poça de leite, beijo seu mamilo, antes de lhe dar um beijo de verdade...

Até que, então, ao abrir os olhos, eu vejo que continuo no mesmo cômodo escuro, e vazio. O fogo cessou. Meu corpo agora apenas cinzas. E em breve, nada. 

Na noite escura eu busco aquele por quem minha alma clama... 

E sei que esses desejos são reflexo da carência, que me fazem sonhar, que me fazem desejar, que me fazem delirar desse modo, numa situação que nunca vai acontecer. Também sei o quanto esses sonhos podem ser perigosos. Sonhos são esperança, elas vão alimentando nosso ser, dizendo que devemos lutar mais um dia, superar, tentar e tentar... Mas, no fim, tudo que a esperança nos dá é o desespero frente ao fracasso. 

Nada disso é ou será real. É apenas uma fantasia, um delírio, um devaneio luxurioso. O reflexo do desejo, esse, sim, real, crescente e permanente, acaba encontrando na esperança um raio de luz, que nada mais é do que um chamariz. Mas não creio que exista algo contra nós, no sentido de um deus ou um destino, que se diverte às custas das decepções, não. Aqui deve-se guardar aos homens sua devida insignificância. 

Por isso os homens escrevem, desde tempos imemoriais, histórias de deuses e heróis que combatem forças malignas. De Gilgamesh até a Liga da Justiça. Sonhamos com heróis que tenham algum poder, que conseguem influenciar de algum modo e mudar seu destino. Até existem potentados hoje com poder de controle de informação que podem, de algum modo e até certo ponto, mudar as coisas. Mas, basta um câncer, para que essa pessoa morra sem que sua fortuna prolongue sua vida de modo realmente significativo. Claro que bons tratamentos ajudam, mas a morte não pode ser adiada, o destino não pode ser mudado. 

E alguns possuem destinos visivelmente mais trágicos, como a mãe que vê o filho adoecer sem que possa fazer nada. E outros, como eu, apenas vivem de modo miseravelmente vazio. Por isso o desejo do outro faz com o sonho da companhia se torne delírio. É o coração alimentando-se de mentiras, o ciclo infernal de novo, o dragão mordendo a própria cauda. 

Por isso sonho não só com o sexo bom, mas com aquele tão bom, tão inexplicável, em que cada um devora a alma do outro. Mas, ao acordar, percebe que a realidade trata-se de um interminável pesadelo. 

Por isso, depois de me jogar de cabeça nesses cenários idílicos de prazer, ao abrir os olhos, eu vejo que continuo no mesmo cômodo escuro, e vazio. O sexo sonhado não me saciou; apenas me lembrou que sou fome eterna. E no fim, restou apenas o silêncio viscoso de um corpo que nunca existiu. O fogo cessou. Meu corpo agora apenas cinzas. E em breve, nada. 

Todo gozo é apenas o prelúdio do vazio: o orgasmo da alma sempre termina em pó.

“Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida. Nunca tive outra preocupação verdadeira senão a minha vida interior. As maiores dores da minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para dentro de mim pude esquecer-me na visão do seu movimento.

Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me falou de viver nunca prestei atenção. Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim. Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar. À vida nunca pedi senão que passasse por mim sem que eu a sentisse. Do amor apenas exigi que nunca deixasse de ser um sonho longínquo. Nas minhas próprias paisagens interiores, irreais todas elas, foi sempre o longínquo que me atraiu, e os aquedutos que se esfumam — quase na distância das minhas paisagens sonhadas, tinham uma doçura de sonho em relação às outras partes de paisagem — uma doçura que fazia com que eu as pudesse amar.” (Fernando Pessoa)

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