“O pior da solidão não é não ter ninguém por perto, mas sentir-se desajustado no meio de todos.” (Cioran)
A mudança da estação já trouxe mudanças: há poucos dias o sol já brilha com força desde cedo. Sentirei saudades das manhãs nubladas e dos dias inteiros sem ver a luz. Bem, posso dizer que é sempre cinza no meu coração, mas ninguém vê isso. Parece que dias ensolarados criam uma obrigação quase moral de estar de bom humor. E lembro, com um gosto amargo na boca, dessa cobrança maldita cada manhã no trabalho, por pessoas cujo maior problema do dia era precisar estacionar longe da entrada. Nem preciso dizer o desprezo que sinto por essas pessoas. Isso porque odeio esse peso que colocaram em mim sem que pedisse.
Reclamavam que eu chegava de cara feia todas as manhãs. Que motivo eu teria para sorrir? É que esses idiotas não entendem. Levam suas vidas em coquetéis e conversas toscas. Transam depois de duas garrafas de vinho toda noite. Quando se sentem triste, podem ir à praia, ao teatro, à ópera, algum jantar na casa de amigos, pois os convites não faltam. Não sito inveja, pelo contrário, prefiro morrer agora mesmo a ter que enfrentar toda essa situação social. Porque cada palavra que sai da boca deles é irrelevante. Como todos são irrelevantes, com a diferença que alguns nunca chegam a perceber isso e passam a sua existência patética achando que foram importantes.
Importante foi Platão, Aristóteles, São Francisco, pessoas assim, todos os outros são célebres desconhecidos, cuja memória se perdeu nas areias do tempo. E é bom que pessoas assim sejam esquecidas. É bom que ninguém saiba da existência desses párias. É bom que ninguém saiba que um dia existiu alguém tão desprezível como eu.
Já sinto uma certa nuvem pairando sobre mim. E não me refiro mais ao tempo, pois lá fora continha irritantemente ensolarado. Me refiro aquela vontade de ficar quieto, de deitar e dormir e sem que ninguém me perturbe. Queria me entregar a um sono profundo sim. Mas admito que já não sei mais o que fazer para conseguir isso. Os remédios já não fazem efeito, e eu fico cada vez mais irritado. Acabei surtando no fim de semana, mas, como ninguém se importou, eu só dormi. Precisei lidar com as consequências, claro, mas ainda assim, bem, é isso.
E hoje ainda vieram me mostrar conteúdo de prevenção ao suicídio. Sobre ser gentil com todos porque muitas vezes os sinais são sutis demais, mas se ignoram até os mais óbvios, o que se dirá dos sutis. É mais uma daquelas inversões de pensamento tão comuns hoje em dia: a pessoa confunde o dizer algo ou, no caso, compartilhar algo, com o fazer aquele algo. É um raciocínio metonímico claro. Entender é apenas parte do fazer. Mas ao simplesmente arranhar a superfície, já acredita que sabe tudo o que há dentro da coisa. É como alguém que por comprar um livro de um assunto sobre o qual nunca leu, já se acha especialista no assunto.
É por esse motivo que não consigo deixar de pensar no quanto a minha existência é patética. Os outros podem ter suas inspirações, aquilo que os fazem levantar todos os dias. Sejam seus sonhos, sua responsabilidade com os filhos, coisas assim, mas eu... Quando eu acordo e abro os olhos pela manhã e, como hoje, vejo o sol brilhar por uma fresta da minha cortina, invadindo o quarto sem ter sido convidado, eu só consigo amaldiçoar a minha existência, e virar para o outro lado para o sol não pegar na minha cara.
Pelo menos as mudanças na rotina de sono têm dado resultados. Bem, é melhor dormir do que pensar demais. E hoje sinto a carência crescer, e eu desejar a presença de alguém, mas alguém específico. Mas, como sei que não vai acontecer, é melhor só dormir. Nunca conseguirei criar uma conexão real. Sou um eterno condenado ao abismo solitário, donde olho para cima e vejo um céu claro, inalcançável, como uma serpente que sonha em voar.
“Pertencer? Nunca pertenci a nada. A ninguém. Nem a mim.” (Fernando Pessoa)

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