terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Coisas desconectadas

Reconheço que sou um péssimo entendedor, eu não consigo interpretar o seu silêncio e, mesmo quando sei que você não está bem, eu não consigo fazer nada para que você se sinta melhor. Eu queria que você pudesse recostar sua cabeça no meu ombro e dormir um pouco, esquecendo o peso da rotina esmagadora e simplesmente sentindo a brisa fresca do mar ou o perfume do campo, enquanto uma música baixinha toca ao fundo. Eu queria muito ser um local de segurança e conforto para você mas, não só estou longe demais como também há uma falha intrínseca em mim que me impede de ser bom o bastante para você. 

É ai que reverberam na minha mente os versos de São João da Cruz, da alma enamorada ao Amado, que gentilmente apoia sua cabeça no colo e sente o frescor dos cedros do jardim secreto da alma, no carinho suave de afagar a cabeça de quem se ama, em completa intimidade, tranquila e inseparável. 

É estranho que a imagem de um dos maiores místicos da Igreja seja tão calma e tão contemplativa, e o mesmo vale para as imagens de Santa Tereza ou Santa Catarina, que são mais ativas: todos concordam que a união com o divino, o amor verdadeiro, é uma calmaria do mar revolto. Ao ir nas igrejas tudo que sentimos é o mar revolto. 

Mas onde essas duas perspectivas se encaixam? Ou melhor, o que tem a ver o fato de que eu queria ser para você um porto seguro e a loucura que se encontra hoje nas nossas paróquias travestida de um cristianismo brega?

Bom, essas coisas são inconexas entre si mas encontram unidade na minha consciência. O eu que foi a missa de manhã e se incomodou com a superficialidade do barulho e o eu que durante a tarde quente e úmida se sentiu insuficiente para cuidar de você são o mesmo. Ens et unum convertuntur, ou algo assim. Só sei que a minha consciência se inquieta com essas situações. 

Me imagino então conseguindo me aproximar de você realmente, e enxergando você de modo transparente como eu tento me mostrar, já que nunca minto sobre o que estou sentindo, muito embora a compactação verbal limite muito o que eu quero dizer. 

Por exemplo, quando digo que te amo ou quando digo que não sei dizer o quanto é importante para mim, o que estou querendo dizer é o que eu sinto transcende e muito toda capacidade de expressão, pela limitação normal da linguagem mas pela natureza mesma dos sentimentos que são, por definição, uma experiência tão profunda que não pode ser compreendida de outro modo a não ser nessa mesma profundidade, não conseguindo ser totalmente expressa em palavras senão por um gênio literário, algo muito acima da minha capacidade. 

De outro modo também me vem a inquietude frente ao indiferentismo religioso de nosso tempo, mas não digo isso quanto ao mundo que já vive como se Deus estivesse morto, não quero chegar a tanto, na realidade me refiro a como eu vivo como se Deus estivesse morto, e o quanto só consigo me conectar a ele no sensível. O problema é que eu sei que isso não é de todo errado, afinal se Deus criou o mundo é claro que deixou nele sua antiga assinatura, e na liturgia muito mais do que isso, pois é nela onde ele se dá inteiro como Pão. Então é por meio do tangível e visível que se dá a presença do intangível. No Pão se esconde a humanidade e a divindade de Cristo, mas crendo em ambas é a partir dela que eu posso me conectar com o que eu não posso ver.

Daí então aparece o problema, afinal tudo ao meu redor compete para que eu não olhe para o alto, mas que fiquei com os olhos bem presos a terra, vendo o quanto a missa se tornou apenas um culto de si mesmo, não raramente beirando o delírio psicótico que acha que Deus só pode se manifestar nas palavras desesperadas de um canto tão sentimental quanto vazio, que canta de modo exagerado justamente para convencer os outros e a si mesmo de que ele não é vazio, e se consegue cantar desse modo é porque há algo dentro dele. Mas não há, e essa é apenas uma fuga psicótica. Quanto mais alta a nota maior a presença de Deus, parece ser esse o mantra que eles seguem, e assim tornam impossível qualquer um se conectar com o divino por meio do visível, já que todos conectam-se no máximo consigo mesmos e com a sugestão daqueles que estão comandando a situação. Lamentável. E eu vou voltar a isso em outro oportunidade.

Por enquanto deixo aqui apenas essa dupla impressão desse domingo caloroso. A sensação de que queria ser pra você alguém em quem você pudesse se apoiar, de que pudesse me conectar com você e o lamento pela incapacidade das pessoas de se conectarem, ou permitirem se conectar, com o divino. Por fim, uma autoacusação: se não me conecto a você que é próximo e visível, como posso me conectar com o Divino?

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