segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

O novo Tântalo

Uma voz clama no deserto, e mesmo que ninguém escute os seus gemidos inefáveis em favor das colinas que deverão ser abaixadas, a pedras serão testemunhas do que aquele homem fez e falou. Em algum lugar, em algum ponto memorial do cosmos, as suas palavras ficarão marcadas, e aquilo dito e que aparentemente se dissipou ao vento como as cinzas do seu corpo ficará gravada nas placas do Ser. Aquilo que entrou no ser por um instante sequer, por mais infinitesimal que seja, jamais retornará ao nada. E eu escrevi na minha própria pele que "tudo retorna ao nada" porque, embora esse seja o sentimento gnóstico que eu tenha ao contemplar a minha vida vazia, essa é a maior mentira que há, porque nada pode jamais deixar de ser. 

Também o amor, uma vez que começa a existir, que é gerado no coração dos homens, e que deseja o bem supremo. Amar é o desejo de eternidade do ser amado, ensinava Santo Tomás. E mesmo que eu caia no fogo ainda quero que aqueles que amo possam estar na bem aventurança. Porque eu sei que já é tarde demais para mim pois, saturada de males se encontra minh'alma, como diz o salmista. Mas eu ainda sou capaz de amar e, contemplando amorosamente a Verdade eu apenas peço que ela acolha gentilmente aqueles que amo e que faça por eles o que eu não posso fazer. 

E o que posso fazer? Eu só posso apontar o caminho, aquele que, como um poste, ilumina mas não vai por aquele caminho por estar preso onde se está. Assim sou eu, eu só posso indicar mas as minhas raízes são profundas demais. 

E o que mais posso fazer? Posso amar, amar com toda a minha força, amar com tudo o que tenho e desejar todo o bem. E o mais que faço não vale nada. É apenas pó. 

Que você encontre a Verdade e que eu possa ver, pelo menos, com a misericórdia divina, você de frente para ela, pois a sua pureza, a sua beleza, elas merecem ser recompensadas pela eterna verdade. E então morrerei feliz.

Me impressiono com a força que algumas narrativas tem sobre mim e como elas conseguem traduzir, mesmo que em menos palavras, a experiência que tenho hoje. Em especial os mitos têm essa potente carga simbólica que faz com que, apesar da passagem dos milênios, eles ainda continuem significando a experiência humana. 

Uma vez mais torno a trazer aqui o mito de Tântalo, e como minha vida parece se identificar tanto com a existência miserável daquele pobre ambicioso que quis usar-se da malícia para se tornar maior que os deuses. 

Tântalo foi punido pelo seu orgulho, pela sua extrema arrogância em querer ser mais esperto que os deuses e, usando do artifício humano da esperteza, foi descoberto pelo poder dos deuses, que não precisaram usar nenhum truque para perceber o seu engodo. 

O fato é que ele desejou mais do que deveria, mais do que a sua condição humana, mesmo que lhe fosse permitido a companhia dos deuses, lhe era devida. Muitas vezes eu sinto como se desejasse muito mais do que mereço, e exatamente por isso eu sofro por sentir que estou eternamente correndo atrás de algo que, por não me ser destinado, simplesmente me foge. Essa é minha condenação, é a paga devida pelo meu desvario. E então dia após dia, por incontáveis anos, eu sou perseguido pela solidão, vendo os homens passarem diante de meus olhos, despertando o meu amor mais profundo, e sempre se distanciando em seguido, porque nenhum deles quer ficar comigo. 

Tântalo vive ainda hoje, na minha carne, e cada força da sua vontade vaga pelas minhas fibras, a vagar pelo fabuloso jardim das delícias divinas mas, para mim, trata-se apenas de um grande jardim das aflições, onde ando sem rumo em busca de saciar minha fome e minha sede mas sem nunca conseguir provar dos doces frutos que ali crescem ou da cristalina fonte que ali regata, a qual em seus semblantes prateados, esboça os reflexos do meu distante amado. Tântalo vive a desejar o impossível em uma existência miserável. 

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