segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Uma semana, um episódio

Hoje foi um dia profundamente frustrante. Acordei meio disposto, ainda sentindo aquela melancolia que sentia ontem à noite, mas ainda assim pensei em levantar e ir ao centro comprar algumas coisas. Nem tinha terminado de tomar banho e já havia mudado de ideia, a única vontade que tinha era de voltar pra cama e ficar lá, até passar o dia todo. Ainda consegui estudar e começar uma série, tirei uma ou duas fotos e é claro que as pessoas não perceberam a mudança sutil no meu olhar mas, ao mesmo tempo, meu corpo pesava como chumbo de novo e eu queria a todo custo dormir e apagar. Não tem nenhum motivo pra isso ter acontecido, digo, nenhum gatilho ou algo assim, apenas um episódio depressivo que chegou e que agora veio com força. Não queria um abraço, não queria açúcar, não queria comprar novas taças de vinho, só queria dormir mesmo e apenas acordar quando voltasse a ter disposição e não um corpo pesado e os olhos se fechando a todo momento, a mente se recusando a se fixar em qualquer informação e desejando apenas o silêncio solitário. 

X

Continuo indisposto, e foi uma grande dificuldade levantar e vir trabalhar. Praticamente me arrastei do quarto até o banheiro e depois até a parada de ônibus. Fechava os olhos e já queria dormir, sem nem pensar em nada, e nem no rapaz bonito que sempre encontro eu consegui prestar atenção. Estou apenas tomando café e chá preto na esperança de conseguir um pouco mais de disposição. 

X

Me arrastando de um lugar a outro, sem sono mas também sem disposição. Quero dormir pelo obscuro silêncio mas também quero ouvir alguém cantar. Quero tirar fotos que ninguém vai ver e quero fazer compras que vão me endividar sem necessidade. Ontem a noite eu quis entrar em algum aplicativo e procurar por sexo fácil, mas ao mesmo tempo eu não tinha vontade de sair de casa, embora quisesse contato. Percebi então, agora pela manhã enquanto notava minha inquieta caminhada pelo jardim, que estou procurando algo que me desperte e que me dê alguma emoção e, sabendo ser isso o grande causador de problemas para pessoas com quadro de bipolaridade, eu preciso me conter. Não sei se tomo um chá calmante ou se faço um café. Terminei um longo livro de poesias e estou com alergia para tentar limpar as obras das exposições, então tenho que continuar lendo, é o máximo que posso fazer. 

X

Quarto dia assim, e hoje meus olhos começaram a queimar porque continuo com sono mesmo tendo dormido bastante. Ontem foi excepcionalmente cansativo porque, além de já me sentir assim o movimento no trabalho foi bem grande, cheguei em casa desesperadamente cansado e capotei em poucos minutos depois de me deitar. Percebo agora como só consegui escrever de modo picotado esses dias justamente porque minha consciência está ainda mais fragmentada do que o normal. Estou apenas tentando levar e esperando que passe. 

Um pequeno alento nesses dias de mente anuviada é o carinho que recebo e que me deixa melhor. Um pequeno sorriso no meio da tempestade me aquecendo um pouquinho. Queria poder retribuir com um abraço apertado, ou talvez eu só queira um abraço mesmo, mas infelizmente a distância não me permite. 

Infelizmente não consigo fechar os olhos e imaginar uma narrativa nem minimamente mais longa, apenas me surgem pequeninos trechos, mas também nada que se possa comparar com os aforismos de outrora. Acho que o cansaço me exauriu também a fonte de palavras e a torrente de pensamentos que me possibilitavam a expressão. 

X

Já é hoje sexta-feira, e durante uma semana eu só consegui registrar o que normalmente escrevo num único dia, o que só demonstra o quanto esse tempo é marcado por um silêncio constante e nada acolhedor. Se eu normalmente gosto de ficar quieto em dias assim a quietude é apenas sufocante, porque a angústia é crescente e o sentimento é que me foram cortados os membros. E eu nem sequer consigo expressar de um modo melhor o que se passa, é apenas um vazio e apenas um silêncio esmagador, uma agonia angustiosa e crescente, uma marcha fúnebre que nunca encontra termo... 

X

Hoje é a segunda que se seguiu a esse episódio depressivo que, aliado a uma maior carga de trabalho acabou me deixando ainda mais fechado por alguns dias. Meus planos para hoje incluíam fazer as unhas, a barba e a sobrancelha para, na semana de estreia de uma nova exposição eu esteja mais apresentável. Consegui pintar as unhas, e gosto sempre do resultado, mesmo que muitas vezes grosseiro. Mas quanto ao resto? Eu não quero pensar nisso. Me desgastei pensando na confusão envolvendo aquele ator que gosto e que tem recebido severos ataques, Build Jakapan. Não só por isso mas por conta de uma nova onda de desânimo, não um novo ciclo mas apenas uma continuação daquele, que me deixou desanimando. Me olhei no espelho e resolvi aceitar, a barba que se estende até as bochechas, as sobrancelhas se unindo numa expressão de desleixo... É o que eu posso oferecer pois não há de onde tirar dinheiro e nem disposição para cuidar disso. E então eu me viro, aceito o que vi, e sigo como se não tivesse nenhuma importância, pensando vagamente se aquele jovem estudante de arquitetura que visitou o trabalho vai algum dia entrar em contato comigo.

Epílogo 

E você, como foi seu dia? Conseguiu acompanhar o ritmo das aulas? Encontrou seus amigos do grupo católico? Espero que firme boas amizades com eles, parecem ser melhores exemplos para você do que eu, e então eu vou aprender com você a ser um pouco melhor. Se sente cansado? Você me disse que sentia assim e eu sinto muito que não possa ser pra você um porto seguro onde você pode simplesmente encostar os ombro e chorar, recuperando suas energias. Estou longe e, pior que isso, ainda há uma barreira natural da nossa relação que me impede de ser pra você aquele que você precisa. Só me resta então fechar as feridas do meu coração e torcer para que encontre alguém que consiga te consolar e te incentivar como você merece.

Eu me peguei, mais de uma vez hoje, pensando em nós dois levando um tipo de vida doméstica. Pintei minhas unhas de preto mais uma vez e imagino como isso seria um contraste para as pessoas que nos vissem andando na rua, você de suéter a camisa abotoada até em cima, calça cáqui. Eu sorrindo e contando histórias sobre algum livro do século XX que poucos da nossa idade leram. 

Em alguns dias eu assisto meus BLs enquanto você estuda, e as vezes você vê um ou outro episódio comigo. Em outras noites nós vemos filmes juntos, e ficamos conversando sobre eles tomando uma taça de vinho ou algumas latas de cerveja, depois de preparar algo juntos na cozinha, sorrindo com medo do olho respingar em nós, sem camisas e talvez um pouco alegres demais por causa do álcool. Nos outros dias revezamos em pedir comida, frango frito, pizza ou hambúrgueres. 

Depois deitamos juntos, quase sempre me deito sobre seu peito, em outras noites apenas nos abraçamos, algumas vezes conversando sobre como foi nosso dias, sobre os problemas no trabalho e na faculdade ou apenas os planos para o próximo passeio no parque ou na praia, e em outras noites só ficamos em silêncio ouvindo música baixinho. 

É, é uma bela visão. A menos assustadora que tive todos esses dias. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário