quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Aforismos

"Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma." (João Guimarães Rosa)

Me preparei para dormir de novo, mas meu coração palpitava, queria dizer algo, e eu sabia que quando me sentasse para escrever isso sumiria, e assim foi. Apenas uma breve inquietude do amor, aquele sentimento de ida e volta, do querer e do fugir, a dicotomia de um coração ferido que não quer mais se machucar, mas que ainda lida com as ânsias inflamadas das noites escuras.

Estava cercado por algumas centenas de pessoas, e fazia um trabalho mais ou menos importante, que me rendeu várias ligações e mensagens nos últimos tempos. Mas, em dado momento, eu só conseguia olhar o nada, olhava pra frente sem pensar em nada. Não, não é verdade. Eu pensava que não queria voltar. Queria poder ficar mais uma semana afastado, quinze dias, um mês, ou que nem mesmo voltasse para aquele inferno comandado por demônios. 

Não deveria fazer compromissos aos quais eu não vou querer ir. Mas, eu acho que no atual estado, eu não iria querer nada, e nem ir a lugar algum. 

Senti faíscas? Não sei bem dizer. Mas eu queria um abraço, e atravessei o salão e todas aqueles bancos, e o abracei sem me importar que nos vissem. Não viram, não somos importantes. Mas, nos pequenos toques, no ombro, no braço, nas espáduas enquanto saíamos sozinhos, eu percebi uma pequena luz, amarela, viva, brilhando rapidamente depois de sumir por entre a sua pele rosada. Estava confortável, foi uma noite agradável, até mesmo o breve abraço de despedida, calor repentino. Mas não estou apaixonado. Talvez eu esteja descobrindo uma amizade, mais uma que provavelmente estragarei. 

Gosto de andar de modo que me sinta bem, apesar de não ter dinheiro o bastante para comprar tudo que que quero, mas ainda posso pintar as unhas ou usar os cabelos grandes, batom nos lábios. No entanto, para além da aparência, atualmente gordo e cansado, acho que gostar de mim, ou até me amar, é algo para se envergonhar. É, deve ser isso.

Um toque muitas vezes pode ser simples como a pétala de uma rosa-branca, delicada, bela, simples. 

E ainda me resguardo o direito de me irritar, ainda que seja com pouca coisa, pois essas coisas não são raramente os únicos momentos, nem digo de alegria mas, da menor distração nessa vida desgraçada enquanto os restante dos meus dias eu passo naquele inferno. E digo restantes porque sinto que a cada dia naquele Círculo da Colina de Fogo, é como se me restassem poucos dias sobre a terra. E com isso, nessa ira final eu só queria conseguir um médico que me afastasse por mais dias, que pudesse realmente mudar de ares, já que nos últimos meses eu vou dormir com uma única prece em mente: a de que não acorde no dia seguinte. 

Mas eu sempre acordo.

E lá estou eu, sem Virgílio a me conduzir, às nove da manhã, suportando o peso de um mundo ridículo.

Fico pensando no quanto eu já desisti depois de tudo, como na música "faça uma lista dos sonhos que tinha, quantos você desistiu de sonhar?"

Muitos, muitos sonhos, muitos amores. Hoje apenas vagueio por aí, sem rumo, paz, sem lar, sem morada.

X

"O indivíduo pode vislumbrar numerosos objetivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe deem impulso para grandes esforços e elevadas atividades; mas, quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece de esperanças e perspectivas fundamentais e se lhe revela como desesperador, desorientado e falto de saída, e quando responde com um silêncio vazio à pergunta que de qualquer modo se faz, consciente ou inconscientemente, acerca do sentido supremo, ultrapessoal e absoluto, acerca de toda atividade e de todo esforço — então se tornará inevitável, justamente entre as naturezas mais retas, o efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral, e de afetar a própria parte física e orgânica do indivíduo." (Thomas Mann)

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