quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Mais do que palavras numa noite

Aproveitei a manhã fresca e fiquei um pouco mais na cama. Cobri a cabeça enquanto ouvia a chuva caindo fraquinha lá fora, enquanto aqui dentro tocava a voz suave do Eric Chow. Me senti, por um breve instante, consciente de todo o meu corpo, e me espreguicei algumas vezes, fechei e abri os olhos, me acostumando com a penumbra esverdeada da luz de um sol tímido e das cortinas. Foi um momento especial, não me lembro quando foi a última vez que estive tranquilo assim. 

Dormir de madrugada, depois de rever More Than Words e só concordar com as impressões que tive da primeira vez: a densidade psicológica apresentada simbolicamente nas formas mais sutis fazem dessa uma primorosa, ainda que dolorosa, obra de arte. Por um tempo eu exitei em assistir, sempre com a recordação melancólica que poderia me afetar, mas agora, em que me encontro na mesma frequência, eu consegui acompanhar bem o ritmo da narrativa. Confortável com os silêncios, com os espaços, familiarizado com as traições e a solidão, bem como a mesma melancolia, aquele vazio, e as lágrimas pesadas. Foi uma noite intensa. Fiquei um bom tempo quieto, em silêncio, apenas olhando as folhas se mexerem e a luz amarela dos postes brilhar, antes de finalmente me entregar ao sono. 

Ficou marcada a última cena, dos protagonistas se separando, seguindo caminhos diferentes, mas com um deles tomando uma ponte que cruzava o caminho dos outros, mostrando que, embora separados, não estariam jamais completamente distantes. Isso em contraste com uma das primeiras cenas em que ele a persegue num caminho parecido, mostrando justamente o momento em que se uniram. Belo. 

Ainda que mostre a dor do abandono, do amor que foi colocado em segundo plano, ignorado, substituído como se não tivesse nenhum valor, num quarto imundo, fétido e úmido, vivendo dia após dia. Disso eu entendo. E, embora terra enterrado aqueles sentimentos lá, no fundo, ainda dói saber que fui rejeitado sem nem ao menos ter respostas justas. Há beleza nessa dor também, ou apenas solidão?

"De quem de meu amor se faz ausente, e não quer gozar de mim presente?" (São João da Cruz)

Nenhum comentário:

Postar um comentário