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Edward Hopper |
"Quando a gente bebe, o mundo ainda continua aí, mas por um momento ele não te segura mais pela garganta." (Charles Bukowski)
Lembro vagamente de quando comecei a tomar esses remédios, primeiramente achando graça de um quadro da Grace Gianoukas na Terça Insana em que tudo se resolvia com Lexotan. A princípio eu tomava apenas quando ficava muito chateado. Era um jeito de fazer os dias passarem rápidos, de não ver a tristeza, nem os amigos indo embora, ou os namoros acabando.
Depois eu descobri que, em combinação com essa tristeza da qual eu fugia, eles me ajudavam numa espécia de catarse dopada. O efeito hipnótico do Zolpidem me fazia divagar de modo que os textos fluíam, com uma dor e brutalidade que eu não alcançaria sóbrio. Tal qual faziam tantos outros com o ópio, o cigarro e o álcool.
Agora, anos depois, quando já não encontro nessas substâncias um incentivo a escrever aquilo que sinto na minha alma, apenas o apagar do homem que já não quer viver. Encontrei prazer num breve momento, na bebida, nos momentos de melancolia provocados de encontro com as reflexões próprios da vida cotidiana.
Talvez os temas tenham sido usados tanto que se esgotaram, ou talvez eu precise de outras experiências sobre as quais falar, como ultimamente tem me tocado, mas ainda sem grande expressividade lírica, o explorar, o abandonar, a relação brutal que temos numa sociedade que busca o lucro e, assim, sacrifica o homem, como carne ao abatedouro.
De algum modo relaciono isso com as buscas infindáveis por companhia. Todos querem alguém ao lado, mas não querem compromisso, se querem compromisso, que seja alguém esteticamente perfeita. Excluem-se da equação pessoas de verdade. E por ouro lado me sinto ainda patético, enquanto ouço a Sonata Patética de Beethoven, em pensar nessas coisas aos trinta anos. Cada arpejo ao piano, no entanto, é como um golpe, como se me dissesse que sim, é verdade, eu ficarei sozinho.
Acontece que aos trinta me vejo, viciado em remédios, estafado do trabalho que me exauriu e solitário, ainda solitário, sem dúvidas o tema que mais se repetiu em todos esses anos. Seja na forma poética dos meus infinitos amores que não deram certo, ou pelo estudo da Instrumentalidade Humana, buscando tratar desse sentimento num nível pouco ou mais existencialista, e, quando era de se esperar uma melhora ou salto qualitativo, mas me vejo aos trinta, pensando ainda como um adolescente, apaixonado pelo rapaz que me sorriu brevemente, mesmo sem saber o que desencadeou em mim, e logo vendo esse sentimento se esvair. Irritado por não ter tido nunca respostas daquele a quem devotei tanto amor, que parecem não me oferecer outra alternativa a não ser seguir em frente, deixando tudo para trás como se não fosse nada. Como se o amor devotado de anos não valesse nada. Como eu. Me recordo o verso de S. João da Cruz "De quem de meu amor se faz ausente, e não quer gozar de mim presente?"
Como me sugeriram, deveria caminhar ou correr um pouco, mas não queria fazer essas coisas sozinho. Fui ao cinema sozinho, e admito ter sido libertador. Mas cada vez que vejo as pessoas dizendo isso eu só me imagino fechando mais e mais... Me tornando mais e mais sozinho, porque talvez seja minha única opção.
Digo isso do meu apartamento imundo. O calor abafado pela umidade entrando pela janela em lufadas de ar quente e, raras vezes, brisa fresca. As paredes de madeira mostram marcas da umidade. Para onde quer que olhe tem algo bagunçado, muitos livros fora do lugar, logo devem começar a mofar, queria me deitar, mas o calor vai me incomodar, já estou todo suado e ainda estamos no meio da manhã. Por Deus, o que fizemos para merecer isso? Isso é horrível, por isso entendo velhos como o Buck, que bebiam até apagar, depois de transar com desconhecidas ou bater na cara de amigos. Pelo menos ainda tenho um pouco de cerveja na geladeira, barata, sim, mas é o bastante.
E agora, que o lampejo de inspiração se foi, costurando de qualquer jeito as ideias que tive, vou dormir, apagar. Pretendia assistir algumas coisas, mas, de repente, os títulos das séries se tornaram apenas isso, títulos, palavras vazias e meu ser se esvaziou completamente de qualquer vontade. Talvez reveja The Twelve Kingdoms depois de tantos anos. Mas não hoje. Tomei um último gole de cerveja meio quente. É só isso.
"Beber é uma coisa emotiva. É um ato que cria uma quebra na mesmice da rotina. Tira você do seu corpo e da sua mente e te joga contra a parede. Sinto que beber é como uma forma de suicídio em que você pode voltar à vida e começar tudo de novo no dia seguinte. É como se matar, e nascer outra vez. Acho que vivi umas dez ou quinze mil vidas até agora." (Charles Bukowski)
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