sexta-feira, 2 de julho de 2021

Chamado do Demônio

 "Divertir-se é uma forma de distrair-se com ocupações que nos distanciam das misérias que vivemos."*

Sonhar mais um sonho impossível, eu vejo assim os jovens que agora brincam e tentam falar mais alto do que a música de péssima qualidade que escutam. Jogam dominó, trocam amenidades, afabilidades e sorriem alto. E eu entendo bem como eles se sentem, entendo que essa é a única diversão que eles têm, não conhecem mais do que isso fechados no provincianismo de suas mentes limitadas. Cada um trabalha com o que melhor lhe convém, só me pesando a mente que não tenham acessos a alternativas superiores de divertimento. 

"Quando não tivermos nada para fazer, sentiremos as nossas misérias, o divertimento é o fazer algo que vai distanciar nossa alma do vazio e do tédio."

Há algo que grita no profundo do coração do homem. Há uma consciência, um Eu, gritando para ser ele mesmo. O homem desespera-se na busca de si ignorando muitas vezes os ímpetos mais íntimos que poderiam ditar justamente a clareza que falta a brilho do eu. O divertimento é a distração, é o som que abafa os gritos desesperados do ser que quer ser. Quando longe deles nos damos de cara com a parte mais podre das nossas almas, aquela que buscamos fugir a todo tempo, a todo custo. Por isso o som alto, o barulho, o desespero em fugir de si mesmo. 

"A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento e, contudo, é a maior das nossas misérias." 

Mas sendo apenas fuga o divertimento só torna mais patente o objeto do qual se foge. Quanto mais fugimos mais nos lembramos do que queremos fugir e, assim, ele se torna a nossa maior miséria pois, fugindo do que nos amedronta, estampamos a nossa frente aquilo que mais nos apavora. 

Vejo isso com clareza nos meus divertimentos, é claro, mas dessa vez o que me motivou a esta reflexão foi o alheio. Foi a contemplação de uma humanidade tão baixa, tão mesquinha e abjeta que sequer tenho certeza se é correto dizer tratar-se de humanidade verdadeiramente. 

Vislumbrei uma demonstração tão grotesca da baixeza que estou enojado. Já há anos que quase não suporto a presença da minha irmã, sempre repleta de grosserias e petulância do mais baixo calão. Ela é uma pessoa tão baixa, tão desprezível que me envergonho de dizer que somos irmãos. Bebe, briga, ameaça as pessoas com faca, tesoura, grita como se fosse um animal e até fede como um... Aquilo não pode ser normal. É na sua personalidade, que não se importa com a mínima ética ou moral, na falta de educação com meus pais que tiveram a misericórdia de tirar ela da orfandade, grita, responde de qualquer jeito, não ajuda em nada, estraga tudo; é na falta de cultura, que só conhece músicas com letras que fariam corar uma atriz pornô, que ela se mostra na sua totalidade, sem profundidade, presa a estímulos imediatos, pequena, distorcida, marginal. É nesses divertimentos que contemplo o ápice da miséria humana, dentro da minha própria casa. 

Ela não presta, nunca prestou.  E eu vejo tudo pela janela do meu quarto, não distante, mas sentindo na minha carne o rasgar desses pecados. Sinto como se eu mesmo estivesse ali no meio, ouvindo o sibilar do demônio chamando de volta ao inferno aqueles que de lá nunca deveriam ter saído. 

~

*Blaise Pascal

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