quarta-feira, 26 de abril de 2023

Parmênides e Heráclito no Oceano

Hoje eu preciso me tomar pela mão e então me levar cada lugar que eu preciso ir, e ainda estou me decidindo se vou mesmo, pois a minha vontade é apenas de ficar quieto, deitado, sem pensar muito em nada. É como se os lençóis estivessem se enroscado no meu corpo e me impedissem de sair, com as pálpebras pesadas como chumbo. Mas eu preciso, preciso aproveitar o dia de folga e estudar. Então eu tenho que me levantar, passar um café forte (na verdade um café solúvel que é ainda mais fácil de fazer) e então esperar que, ao sentar e beber fechando os olhos e inspirando profundamente, o aroma me dê um pouco de energia para sair do torpor indolente e finalmente me concentrar n'alguma verdade eterna mais importante e mais real do que as fibras da minha carne que teimam em apodrecer na alcova. 

Consegui caminhar um pouco, a visão do mar, aquela visão de um oceano que se abre infinitamente conseguiu mais uma vez se fixar na minha mente e então me provocar uma faísca novamente. Aquelas águas escuras, assim como o céu que se preparava para uma tempestade, me recordou a visão dos espaços infinitos que apavorou Pascal, a mesma visão que deu início aos questionamentos metafísicos dos antigos gregos e que chegaram até mim. 

Ali, naquele gigante desconhecido eu pensei na determinação e indeterminação do ser de Parmênides e na transitoriedade permanente de Heráclito. Tanto o ser que é e o não-ser que não é se manifestaram na minha consciência, a medida que olhava um belo rapaz, com pelo menos metade da minha idade, que pescava caranguejos no mangue e, com habilidade, os prendia com um chinelo de borracha enquanto arrancava as suas garras com uma pequena faca de mesa. Um deles escapou e veio na minha direção, e o garoto apenas estendeu o braço prendendo-o novamente e sorrindo de leve ao ver que me assustei por um instante, já que na verdade eu olhava para o seu rosto jovem e seus braços bronzeados ao invés de prestar atenção ao que ele fazia. Mas como isso se relaciona com a metafísica? 

Bem, a realidade visível é, de algum modo, imagem da invisível e reflete as leis eternas e imutáveis que investigamos. A possibilidade universal que, numa tarde meio nublada de segunda-feira, me fez encontrar um rapaz loiro a catar caranguejos com uma cordinha azul e uma pequena rede com peixes, é a mesma que rege todo o ser em sua totalidade, seja na individualidade tímida daquele jovem ou na totalidade do cosmos com seus milênios inapreensíveis e deuses antigos.

E ainda assim a visão daquele oceano infinito também me apavorou. A experiência essencial da humanidade, do intelecto que busca conhecer. E eu estava sozinho, apenas eu e aquele mar que se abria sob meus pés e alguns poucos pássaros que voavam aparentemente sem rumo e sem noção das muitas perguntas que haviam no meu ser. 

Continuava cansado, sem motivo, e a espera de que alguém me tomasse pela mão de volta para casa, com cada osso em protesto contra minha própria existência. Lembrava que precisava escrever uma resenha quando chegasse em casa, mas na minha indeterminação eu me perguntava: para quem escrever?

Nenhum comentário:

Postar um comentário