domingo, 30 de abril de 2023

Un campo di battaglia

A experiência de hoje me fez sentir uma angústia profunda, e eu tinha decidido me silenciar e continuar suportando a adversidade com paciência e, nesse sentido, até escrever sobre me seria demais. No entanto, depois de refletir eu percebi que, a minha indignação não vem de um mero gosto ou algum tipo de fetiche, mas é uma indignação real e que muito entristece o coração. A reflexão a seguir não é a manifestação dessa indignação apenas, mas um ato de um filho que se entristece com o que fizeram com a sua Santa Mãe, e de como silenciaram a sua Santa Mestra. É ocasião para cantar como nos Lamentos de Jeremias:

Cercou Judá a vergonha,
Escrava foi desterrada,
Em terra estranha hoje mora
Sem paz, sem lar, sem pousadas;
Aqueles que a perseguem
Agarram-na sufocada.

A Santa Igreja afirma, em diversos documentos como a Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, a Instrução Geral do Missal Romano e até outros mais recentes, sim, até mesmo na Carta Apostólica Desidério Desideravi a Igreja aponta a importância que a liturgia ocupa na economia da Salvação. O ensinamento é unânime: Cristo se fez homem e na Eucaristia, que o sacrifício incruento do sacrifício na cruz, ele se dá a nós. É desse fato que decorre toda a vida eclesial, e a esse fato que toda a vida eclesial retorna. É ao redor da divina liturgia que a Igreja vive, ela evangeliza os povos para que todos sejam participantes do banquete do Senhor pelo Batismo, ela é conversão porque exige o arrependimento dos pecados para que dê frutos em nossa vida e ela é a fonte inesgotável das graças que recaem sobre nossas almas, e não conseguimos nem imaginar a quantidade de transformações que ela opera em nós, sendo esse assunto tema de longa páginas de um número inabarcável de santos, doutores e teólogos. 

Daí a importância que a Igreja dá para a Liturgia. Mas, verdade seja dita, a Liturgia em nossas igrejas está destruída. O nome do Senhor, a Santíssima Eucaristia é arrastada na lama pela forma como celebramos, sem nenhum contato ou nem mesmo sem a percepção de que ali se faz presente o santo sacrifício do altar. A Missa se tornou um ponto de encontro semanal incômodo, onde ouvimos a Palavra explicada em homilias rasas ou afetadas de um sentimentalismo baixo. As musicas em nada refletem sacralidade e conduzem a oração, antes disso dispersam a atenção e são de qualidade absolutamente questionável. Ninguém consegue rezar e, no máximo quando alguém canta algo emocionante essa emoção significa a presença de Deus e então eles ficam contentes achando que aquilo é celebração. Eles não sabem o que estão dizendo e não sabem, principalmente, o que estão perdendo. Cada dia mais eu tenho consciência de o que acontece todos os domingos nas nossas paróquias não é menos do que sacrilégio. 

Na paróquia em que frequento a Eucaristia é consagrada num cálice de vidro, comprado numa loja de produtos para o lar, numa tentativa tosca de que o vinho seja visível para as pessoas. Isso me irrita de tal modo que nem quero comentar mais. As músicas, logo cedo pela manhã, são de uma animação atroz, o sacerdote entra e sobe ao altar ao som de baião, sertanejo e palmas, muitas palmas, além de letras bobas muitas vezes cheias de ideais revolucionários. Não encontramos nada do tesouro milenar musical da Igreja Católica. 

Essa comparação me veio ao participar de uma missa na igreja administrada pelos Arautos do Evangelho aqui em Joinville. Distante da cidade, o que limita e muito a participação da comunidade, eles celebram com sobriedade monástica. Desde a disposição do altar, a decoração belíssima e a unidade com a tradição litúrgica de dois milênios, tudo aponta para uma correta celebração donde se aproveita tudo. O silêncio que é interrompido pelo choro das crianças não é incômodo, antes disso, reflete uma comunidade viva e que cresce cada vez mais. A sobriedade do canto gregoriano e da polifonia, em latim e português, em companhia do órgão, dão o tom solene e orante da celebração, os gestos simples porém bem feitos dão a ideia da liturgia em harmonia com o Concílio Vaticano II: a Missa é, acima de tudo, sóbria e digna. Digna. Dignidade.

"Jerusalém, Jerusalém, volta para teu Senhor"

É muito difícil aceitar então que a celebração que vi hoje, que acontece escondida de todos como se fosse ilegal, o que não é porque respeita exatamente a todas as orientações do concílio, e a que eu vejo todos os domingos se tratam da mesma coisa. Não são a mesma coisa, apenas os textos são os mesmos. Desde a construção do espaço até os mínimos detalhes, como o comportamento dos coroinhas, é diverso. E olha que a celebração nem mesmo foi feita na igreja, ainda em construção, foi feita num salão esportivo, e a dignidade do presbitério é muito maior que a de qualquer outra igreja que eu tenha ido aqui em Joinville, de todas aquelas com construções estranhas, com painéis exagerados, com a sacralidade esquecida, casas de oração apenas, que em nada refletem a histórica tradição arquitetônica cristã. 

É realmente lamentável, lamentável. 

“A liturgia transformada em un campo di battaglia”* é exatamente o quadro que se nos apresenta hoje. Fiéis à Igreja, todavia, e esclarecidos pelos ensinamentos de Joseph Ratzinger, também nós podemos entrar nesse “campo de batalha”, cientes de que não estão em jogo banalidades externas, mas a própria fé da Igreja. Afinal, lex orandi, lex credendi: “a lei da oração é a mesma da fé”. O conteúdo da fé, aquilo em que acreditamos, determina o nosso modo de rezar e prestar culto a Deus. (Pe. Paulo Ricardo)

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*Georg Gänswein, Nient’altro che la verità: La mia vita al fianco di Benedetto XVI. Milano: Piemme, 2023, p. 289.

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