Não suportei, desfaleci de tanta dor
Eu esperei que alguém de mim tivesse pena
Mas foi em vão, pois a ninguém pude encontrar
Procurei quem me aliviasse e não achei"
Como falar desse acontecimento, o maior que poderia haver? Quando tantos homens tão mais letrados e, ainda mais importante, tão santos, o fizeram com tamanha profundidade e união ao Sacratíssimo Coração de Nosso Senhor? Por isso não pretendo falar a outros, não, mas apenas tentar organizar algo daquilo que, vivendo intensamente a Semana Santa, consegui perceber.
Isso porque, carregada de tantos símbolos, creio que todos nós poderiam passar horas meditando os diversos aspectos vividos nesses dias e ainda seria pouco, não bastaria. E isso me leva ao primeiro ponto. Em suas Preparação para a Morte, Santo Afonso Maria de Ligória fala do risco da condenação eterna, e explica de um modo assustador, como ela se estenderá pelos séculos dos séculos. Como o sofrimento se estenderá, e se passarão centenas de milhares de anos e ele ainda não estará próximo de acabar. E o sofrimento é algo que o homem teme desde seu primeiro momento, observo isso nas crianças pequenas, meu sobrinho que vive comigo, ele se alegra ao prazer, da comida ou de uma brincadeira, e chora ao sentir fome ou dor: fugir do sofrimento é a coisa mais básica do ser humano, porém, diante de nós, somos confrontados com a escolha de sofrer eternamente.
Mas, ao mesmo tempo, também somos postos diante da possibilidade algo ainda melhor que o oposto do que o sofrimento eterno, que seria a alegria eterna. Eu gosto muito daquele hino que diz "Ó Jesus, que nesta vida pela fé eu vejo, realiza, eu te suplico, este meu desejo: ver-te, enfim, face a face, meu divino amigo, lá no céu, eternamente, ser feliz contigo!" A salvação é mais do que uma simples alegria estendida indefinidamente, é uma união, proximidade, com Deus, infinitamente. Proximidade, face a face, só o temos com amigos, com aqueles que amamos, que confiamos, em quem colocamos a cabeça ao ombro para chorar. Por isso essa Semana, que nos coloca diante desse mistério de Salvação por meio da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, é de uma delicadeza e de uma força surpreendentes.
No Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, já confrontados com uma dualidade, que não raramente passa despercebida aos ouvidos da maioria. Esse dia é visto com júbilo, e de fato celebramos a jubilosa entrada de Jesus em Jerusalém, mas, como que dividida em duas partes, terminada a procissão, em que cantamos felizes o rei que chega, que vem vindo simples, diferente dos reis de todas as épocas, mas mais importante que todos, celebramos também a sua Paixão. Me recordo do episódio, por ocasião da eleição de Bento XVI onde, quando o papa saiu para a saudar a multidão, Dom Francis George, Cardeal Arcebispo de Chicago, tinha o olhar distante. Ao ser perguntando sobre o que pensava ele respondeu que olhava para o Circus Maximus, no Monte Palatino de onde os Imperadores uma vez reinaram, e onde os cristãos foram humilhados e trucidados, e então ele se perguntava: onde estão seus sucessores, onde está o legado de Julio César ou Marco Aurélio e, afinal, quem se importa? Mas se procuram o sucessor de Pedro, um pobre pescador que, depois do contato com essa dupla realidade, se tornou conversor de multidões, está bem ao meu lado, sorridente, glorioso e reinante.
Esse dia é então marcado por isso. Meu coração sentia a alegria daqueles que seguiam Jesus, mas também sentia a dor do desprezo que Jesus sentiu ao ser entregue pelos mestres da lei para ser morto. Injustamente, vítima inocente que, por isso mesmo, sendo perfeitamente inocente, acabou sendo o sacrifício perfeito e sangue, derramando o sangue da nova e eterna aliança, não mais o sangue dos animais, sacrifícios imperfeitos. No presbitério eu ousei tomar as palavras de Cristo ao cantar, em baixo tom, "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?" Sl 21 (22).
Na narrativa da paixão o que mais chama atenção, pensando naquela cena de ultrajes, é o silêncio que se faz ao expirar do salvador. Mesmo aqueles que só vão à igreja nesses dias, mesmo aqueles que não queriam estar ali, nós que estávamos por amor, todos silenciaram, e um grande silêncio reinou. Essa é a força de Cristo: não a de um grande líder que chegaria em carruagem de ouro e grande exército e libertaria o povo da opressão, continuamos nós oprimidos pelo peso de nossos pecados, mas um libertador que, na humilhante morte de cruz, nos abriu as portas do céu. É um poder tão imensamente maior que não há nada que nós, homens, podemos fazer diante deles a não ser silenciar.
Com isso inauguraram-se esses dias de profundo mistério.
Bela reflexão!
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