terça-feira, 15 de abril de 2025

Efeitos

Eu gosto dessa sensação, quando os remédios começam a bater e vem um sono não natural pesando os olhos, deixando a mente um pouco mais lenta. Mas hoje, anos depois, os efeitos são bem menores. Se fosse mais fácil comprar remédios sem receita eu com certeza aumentaria bem mais as doses, mas essa maldita burocracia estatal em tudo se mete. Além da obscenidade de impostos que pagamos, ainda querem controlar tudo numa imensa máquina da qual cada um de nós é apenas uma pequena peça. 

Sim, eu gostava de quando, completamente chapado de Zolpidem, escrevia páginas e mais páginas sobre as desgraças do amor. Me pergunto se foi apenas o efeito das drogas que diminuíram, ou se não foi meu coração que secou. Sempre pensei no meu peito como uma torrente, fruindo águas de amor num grande jardim, fazendo florescer as mais diversas cores e perfumes, pintando belos canvas entremeados de verde-esmeralda. 

Observo, em busca de inspiração, a apresentação da 7° de Shostakovich, com um percussionista lindo da Frankfurt Radio Symphony. Essas coisas me encantam: beleza que produz mais beleza. Seus músculos fazendo vibrar os pratos dessa ode a Leningrado. Na apoteose do primeiro movimento ele cria um grande efeito, em contraponto e em reforço a marcha militar que acompanha. É uma passagem vigorosa, e requer precisão e força de todos do naipe de percussão. 

Mas, logo o tema apoteótico dá lugar seu lugar a um tema reflexivo, como se contemplasse a cidade de Leningrado durante uma fria noite estrelada. Em meditação, Shosta no convida, em moderatto, a refletir sobre a guerra, o totalitarismo. Meditar. Palavra que as pessoas já não conhecem o significado, aliás, de qual conhecem? Tolos. 

Se a obra passou a perder popularidade ao perceberem ser uma crítica a invasão nazista à União Soviética e, portanto, música de guerra, qualquer um que diga uma palavra firme perde popularidade. Mas perder algo tão tosco não é tão difícil e nem mesmo importante assim.

Odeio, por exemplo, esse discurso sobre saúde mental de que as pessoas devem buscar ajuda, devem dizer pelo que estão passando, e que com isso serão acolhidas e ajudadas, pois é uma grande mentira. Quem faz isso se torna um peso morto, se torna aquele que pesa o rolê, no fim, tudo que ganha é assédio moral de quem diz que suas atitudes, leia-se sua doença, desmotiva os outros. Saúde mental é mentira, a única preocupação é a com eficiência, e o mais que fazem não vale nada!

Mas dizer isso é bonito, produz um efeito nos outros de que as pessoas se importam, que serão bem cuidadas e acolhidas, o que é exatamente o que uma pessoa em sofrimento precisa.

Ao mesmo tempo que eu desejo esse torpor, essa dopada candura, eu a temo, eu temo muito, porque aquele lugar, aquela longa noite em que me coloco, ela é escura, sombria e solitária, e parece que a todo momento eu sinto o inimigo me rodeando, procurando me devorar, e então, tenho mais a perder do que a popularidade da qual já não gozo.

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