Seus olhos e o calor de suas mãos eram tão puros. Acho que um dia, tanto tempo atrás que já nem sei dizer quando, eu era assim, e conheci alguém que também era. O abraço era apertado, como devem ser todos os abraços, envolvendo e fazendo tocar os corações. O calor era transmitido de um a outro, uma ligação. Olhavam-se próximos, mas entendiam o significado na profundidade oceânica daquelas pupilas? Entendiam o que significavam cada um daqueles toques? Mas isso foi há muito tempo, na plenitude de uma antiga sociedade que já não existe mais. Quando o sol poente refletia-se no mar, criando uma miríade de cores, do laranja intenso, o amarelo doce, e um azul-claro que aos poucos ia tornando-se escuro a medida que ia adentrando a noite. A brisa que soprava trazia consigo poesias, o farfalhar das árvores cantava. Mas do que estou falando? Foram apenas devaneios de uma dopada candura. Na verdade, cada olhar foi apenas um olhar, ninguém viu o que estava por baixo da superfície daquela fonte cristalina, cada toque foi apenas toque, ninguém seguiu aquela energia até o coração do outro. No fundo, nunca se encontraram de verdade, embora estivessem sempre próximos. Nunca existiu tal coisa. A única verdade é que sim, seus olhos e o calor de suas mãos eram tão puros, e acho que um dia eu também já fui assim.
Tento reproduzir essa dopada, sei que não vou conseguir a não ser que aumente e muito a dose, o que talvez eu faça. Hoje tem uma série que quero muito assistir por ser do tipo confort, o que me faz muito bem. Talvez eu devesse fazer pipoca. É, acho que é uma boa ideia, dormir boa parte do dia e depois assistir. Gosto disso. O Chokun é um ator lindo de fofo, com um corpo enorme, é o tipo de coisa que me anima. Vou terminar essa caneca de chá de gengibre, mel e cúrcuma e ir pra cama.
Eu tentei, a todo custo, não me dopar mais um dia. Tentei mesmo. Pela manhã, a forte alergia me fez dormir por conta dos remédios, mas eu melhorei, e vislumbrei um dia inteiro pela frente. Um dia lindo, fresco, meio nublado, mas não escuro demais. Perfeito. Mas eu precisaria ficar acordado o dia todo pra vê-lo, para vivê-lo. E eu não quero isso. A perspectiva de ficar um dia inteiro acordado me apavora. O abismo que me encara de volta é o grande céu que se abre acima da minha cabeça, e quando olho pela janela, vendo pássaros voando e arvores se mexendo, e penso que eles farão isso o dia todo, e amanhã de novo, e de novo, e de novo. E isso é horrível. É impossível imaginar Sísifo feliz.
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