Nem assovio, nem um pio..."
(Maria Bethânia)
Como um velho, que vê que seus anos passaram tão rápido quanto um pequeno pardal que passa pela janela, eu vejo desaparecer o meu desejo, a minha vontade. E então vai minguando, desaparecendo, como se observasse minha imagem se tornando cada vez mais opaca num espelho que envelhece, e já não conseguisse mais distinguir quem me observa. É assim cada vez que algo perde a graça, porque outra coisa não toma seu lugar, porque simplesmente fica um vazio ali, porque simplesmente fica um vazio cada vez maior em mim, e acho que não falta muito para eu me tornar apenas um vazio.
Eu bem tentei ajudar, mas o problema é que você carrega mais do que precisa. Gasta tanto esforço tentando negar o que você é, que não sobra muito para ser de verdade. Mas quem sou eu para dizer algo, não é mesmo? Eu que já nem sei quem sou, que só vivo os dias, sem me importar muito com nada mais, porque nada mais consegue me prender atenção, nada mais me faz sentir humano.
E as imagens no espelho desaparecem lentamente…
Eu disse que só queria que você abrisse o coração para mim, mas você não entendeu. Sim, eu também queria que abaixasse o muro entre nós, que parasse de esconder as coisas que te machucam, que use o meu ombro para chorar, ao invés de se calar. Mas o que eu queria dizer era para abrir seu coração ao meu amor. Algo em mim acredita que o amor pode tornar as coisas mais leves. E, estando nós dois carregando fardos pesados, acredito que se me deixasse te amar, poderia tornar as coisas mais leves para você.
Mas talvez isso seja apenas um devaneio, e eu não possa ajudar ninguém. Já fazem dias que não saio da cama, tanto que meu corpo já apresenta algumas feridas, além de várias dores. Alguém depressivo assim não pode ajudar ninguém. Por isso eu não pude ser sincero quando pedi que não desistisse de mim. Eu é que não devo desistir de você, mas de mim, eu mesmo já desisti.
É que vejo o quanto a gentileza, o sorriso doce, podem fazer diferença. Ao homem exausto que há tempos já havia se esquecido de si, alguém chega e pergunta "como você está?" e, de um modo simples e gentil, faz com que ele irrompa em lágrimas, porque há muito ninguém se importava com ele. Ao se oferecer como companhia num dia especial que, por uma infelicidade, se tornou um dia solitário, pode-se mudar completamente o rumo desse homem.
Por isso eu tento ser gentil. Por isso eu abracei esse amigo com força tantas vezes, e segurei sua mão, e sequei suas lágrimas enquanto sorria de modo mais terno possível. É só o que eu posso fazer, tentar melhorar, um pouco que seja, o dia dele.
Que o nosso tempo já passou
Que para nós não há depois
E nem talvez"
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