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Season of Love in Shimane |
Não me sinto sujo. Gosto dessas imagens, e já disse várias vezes. Acho belas essa combinação de corpos e luzes, olhares e toques, algo de mágico paira nessas coisas. Talvez seja aquele ritmo de respiração do qual já falei antes, simbolo e parte da própria forma do cosmos. O todo em seu funcionamento incompreensível que se manifesta de modo compreensível. O universo inteiro compartilhado na troca entre duas pessoas, dois corações, duas forças que se combinam e explodem.
Mas poucos entendem, ou entendem apenas essa parte mais imediata, mais baixa. Não são diferentes daqueles que, não entendendo, também só enxergam o imediato, mas não o símbolo que há ali. Me refiro as minhas imagens aqui, mas o mesmo vale para tantas outras coisas e, para usar um exemplo que faria tremer essas alminhas temerárias, também não entendem a profundidade dos símbolos religiosos.
O homem perdeu isso há muito tempo, consigo perceber essa sentença universal em incontáveis seres individuais ao meu redor. O homem parece não ser mais capaz do símbolo, do belo, ou apenas concebe uma única categoria de beleza, esta ou aquela, sem ser capaz de reconhecer outra que se apresenta diante de si, ou até mesmo em si, e que é tão bela quanto a que eles admiram, mas não percebem que inclusive trata-se da mesma beleza.
Os corpos dos santos que se entregam a Deus no martírio, ou nos altares, que confessam. Os animais e as plantam que cantam a glória da criação. A música que expressa os mais diversos aspectos da alma, a alegria angélica da 9° de Beethoven ou a 4° de Mahler, a dor da existência na 6° de Tchaikovsky, a transcendência do Juízo Final em Mozart e Verdi. A poesia de um perturbado, os lamentos de um exilado, ou a que canta as glórias da união do amor divino
Mas também o amor que muda uma vida. O toque que, ao provocar na pele a eletricidade do amor, diz mais que todas as letras de um poeta como eu. O olhar que diz mais que todos os filmes medíocres já feitos, mas captado por aquelas grandes obras, muitas delas sem nem mesmo palavras, como a última cena de Solaris de Tarkovsky, reproduzindo a passagem do retorno do Filho Pródigo tal como retratada por Rembrandt.
Mas então excluem essa beleza. Escondem, em verdade, essa confusão que fazem entre o belo do corpo e do amor e a podridão de uma cultura que mudou o significado de virtude, atingindo inclusive aqueles que querem continuar a buscá-la. Essas alminhas então se ofendem facilmente com o que, em condições normais, seria uma beleza normal. Demonizam o amor e suas demonstrações, jogam ao fundo de suas consciências seus próprios desejos e dividem-sem, tornando-se personalidades fragmentadas, em constante luta contra si mesmas, e não contra o pecado. Enxergam pecado onde justamente poderiam encontrar a cura para as impurezas de seus olhos. E o médico olha o paciente moribundo, e o remédio intocado ao lado da cama, porque lhe despreza a embalagem que ele não sabe como abrir sozinho.
E então eu me afasto. Me afasto porque vejo que a beleza que enxergo, eles abominam, e eu abomino esse simulacro vazio onde só há beleza numa parcela ínfima escolhida por eles porque não os lembra dos próprios pecados ou porque oferece uma visão bela, sem querer confrontar-se com a sua própria verdade, mas então, como diz o pecador arrependido, "e eu pobre, que farei, que patrono invocarei, quando só o justo estará seguro?" diante da Verdade Eterna?
Eu, no entanto, torno a afirmar que vejo beleza aqui, e creio que essa beleza, é uma das poucas coisas, senão a única, que ainda me permite ter uma centelha de esperança, por causa do calor daqueles olhares e da delicadeza daqueles toques, por causa da verdade daqueles sentimentos verdadeiros e conflituosos, símbolos dos nossos próprios conflitos, mas ali estampados, como tela a ser contemplada, e não lançada ao abismo onde, alimentando-se de nossos medos, torna-se criatura ainda pior a nos devorar.
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
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