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Tape Worrachai |
O barulho foi demais, eu perdi toda sombra de inspiração que tinha, e olha que era apenas uma centelha. E já nem me lembro do que ao certo iria falar. Apenas estou sentado aqui, a cortina aberta pela metade, deixado apenas uma pequena faixa de luz amarela entrar ao lado do tecido verde brilhante, esse ar esverdeado dá ao ambiente uma aparência meio doente, como se algo estivesse errado.
Durante a madrugada eu tive alguns relances de inspiração, mas foram como os raios de luz que já se perdem no meio das nuvens de uma cidade triste, que parece chorar na maior parte de seus dias, o que, não posso discordar, combinar comigo.
Me perguntava então, antes de ceder ao sono, ou ao desinteresse completo pelo ser incrustado nas minhas fibras, que talvez todos esses anos eu tenha demonstrado afeto demais. O velho Buck disse que o amor de um solitário é o amor verdadeiro, porque ele ama sem querer nada em troca, já que sua solidão lhe basta. O solitário verdadeiro é, na visão dele, alguém que prefere sua companhia ao invés da sociedade que lhe cerca. Quando ama, ele abre mão disso em função de oferecer sua solidão ao outro, ao objeto amado.
Não sou um solitário no mesmo sentido que ele. Eu sou um pária esquecido. Alguém obrigado a viver na solidão, não que a ame, mas que vai precisar amar, porque essa é a única saída.
As nuvens continuam passando, embora pareça um dia preguiçoso, as pessoas ao meu redor estão agitadas, e isso me irrita muito. A luz do sol entra e logo desaparece. O barulho cessa por alguns instantes e retorna. Vou dormir, engoli um monte de remédio, prefiro ficar acordado durante a madrugada, quando é mais quieto. Hoje não quero ver ou ouvir mais ninguém.
E continuo achando que amei errado, e demonstrei errado. O que será que diz a tradução dessa música que estou ouvindo? Lembro que se chama Natsu no Omoide e já conheci na voz de duas cantoras, e me lembra a melancolia de uma manhã de outono, solitária e, não raras vezes, fria. Será que você não percebe o quão encantado eu estou? Ou estive? E ainda assim optou por ignorar, ou fingiu porque não queria me machucar?
Ou realmente não fui suficiente?
Por se foi isso, parece que você e todo o universo estão de acordo. Me sinto insuficiente para absolutamente tudo que já tentei e propus a fazer.
Foi afeto demais? Ou afetação demais? Continuo assustando por ser demais? E agora que me restaram apenas olhos opacos?
Admiro quem por muito tempo lutou e sobreviveu e ainda conserva a esperança, o brilho no olhar. Pensei nisso enquanto via Tape Worrachai, um ator tailandês ao qual nunca dei muita importância por fazer apenas um papel bobo numa série mediana, mas que agora tem me surpreendido e muito em The Bangkok Boy, aparecendo com esse mesmo brilho no olhar depois de ter perdido o amor, o pai, ter sido preso e lutado muito lá dentro. Depois de tudo isso, ele ainda tem energia para salvar um desconhecido e, com o brilho de seus olhos, conquistar seu afeto.
Eu ando a arrastar os pés sangrentos, e sinto, como o poeta, sangue, cânticos e espuma nos lábios... Vejo que, enquanto eu demonstrava afeto demais, e enquanto muitos também o fazem, não raramente, para a pessoa errada, a que menos se importa ou corresponde. A vida tem dessas coisas, gosta de jogar na cara, nas madrugadas, o quanto somos burros.
Não me considero uma inteligência elevada, mas concordo com o grande escritor russo:
"(...) O sofrimento acompanha sempre uma inteligência elevada e um coração profundo. Os homens verdadeiramente grandes devem, parece-me, experimentar uma grande tristeza." (Fiódor Dostoiévski)
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