Talvez tenha sido um dia cheio de informação demais. Crianças demais, lojas demais, conversas demais, TV num volume alto demais, sentimentos intensos demais. Em alguns momentos senti como se fosse atingido por flechas envenenadas: doeram na hora e fizeram com que continuasse doendo depois de um tempo.
O veneno que elas continham eram sentimentos.
Sentimentos de abandono. Daqueles fins que vieram, ou foram, sem nunca dizer adeus. O pior tipo de fim, aquele que não encerramos porque ainda resta alguma esperança, ou algo assim. Esperança, volta e meia ela reaparece como um problema.
Amigos em quem confiava, que eu amava, e que se afastaram sem explicação. Amores que, não correspondendo, se afastaram como se olhassem alguém com uma doença contagiosa. Quantas vezes vi indiferença e nojo no olhar daqueles que amei?
A tudo isso culpo a esperança.
Esperança de que as amizades durariam para sempre. E agora se faço uma lista de grandes amigos, que eu mais via há dez anos, quantos eu já nem encontro mais? Esperança que me fez crer que se me dedicasse, que se entregasse carinho, atenção, eu seria correspondido no amor.
Ela faz com que a gente tenha dificuldade em enxergar a realidade como ela é. Faz-nos romantizar tudo, enxergar coisas que não existem, amor onde não existe, amizade onde não existe.
E então passo a esperar, por um amor recíproco, por um sentimento que apenas na minha cabeça existe e que ele guarda para si, e não só ele, quando, na verdade, eu faço isso para evitar a difícil realidade: quem iria se interessar por mim?
Tenho evitado me olhar no espelho: cada dia mais gordo, o rosto cada dia mais feio. Tudo em mim causa repulsa. Por nenhuma razão esses meninos bonitos e populares olhariam para mim: também minha personalidade está quebrada. Sou um bipolar com grandes problemas de afetividade.
E agora tenho esse grande problema para resolver: conseguir voltar, ou começar, a ver as coisas como elas são. A realidade como ela é. Preciso aprender que a grama é verde, que o céu é azul, que os pássaros cantam e que sim, eu vou ficar sozinho.
Até o fim, e além.
Meu inferno deve ser um deserto.
Uma massa de ar polar atingiu o país. Embora seja outono, as temperaturas parecem de inverno. Gosto de como as pessoas se vestem nessa época, mas a cidade parece ainda mais silenciosa com todos quietos em suas casas. E eu também me recolho, não apenas para o meu quarto, mas para o profundo do meu peito, para o meu deserto polar, onde ninguém jamais penetrou, embora não haja nenhum obstáculo.
Talvez ninguém queira habitar um deserto. Tampouco eu quero, mas que escolha tenho?
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