sábado, 10 de março de 2018

Alguns instantes

Deitei por alguns instantes, com a mente já incapaz de absorver a leitura de uma monografia qualquer, incomodado com o chiado vindo do aparelho de som mal calibrado dos meus vizinhos, e também incomodado com a brisa fria que vem da porta da cozinha, próxima a porta do meu quarto. Meus pais não gostam de ficar com a casa fechada, necessitam da luz e do fluxo de ar constantemente para não se sentirem presos. Eu, pelo contrário, gosto de me sentir preso. Aliás, ambientes fechados me transmitem a impressão de segurança, e isso é para alguém como eu, algo caro demais.

Deitei por alguns instantes, com a mente a vagar livremente presa numa imagem fixa. A imagem de uma pessoa, não creio ser necessário dizer, mas que nos últimos meses, e especialmente nas últimas semanas, tem sido motivo de tristeza e incômodo a minha já inquieta consciência afetiva. 

Meu sono pregou-me uma peça trágica, onde fora obrigado a vislumbrar os quadros bizarros de uma exposição futurista. Nela, todo meu futuro me era revelado, e em nenhuma das possibilidades a minha felicidade estava presente. 

É interessante notar que consigo trabalhar com toda e qualquer possibilidade, no âmbito da criatividade textual claro, mas que sou incapaz de cogitar a possibilidade de ser feliz com tal pessoa. Toda e cada uma das possibilidades que me são apresentadas terminam com a minha tristeza latente, em que como um transeunte preciso partir daqui para buscar uma nova possibilidade. 

Nem mesmo meus devaneios mais secretos ousam sonhar com uma súbita transformação da realidade em que vivo para uma em que eu possa caminhar verdadeiramente ao lado dele. E meus sonhos breves me mostraram isso com uma frieza quase cirúrgica.

Como um bisturi a minha carne fora cortada e meu coração despejou seu sangue como despejei nele o meu amor. Mas ele não era capaz de conter esse mesmo amor, embora se queixasse do mundo que não era capaz de compreender o seu amor. E assim, ambos incompreendidos em seu amor, nos tornamos infelizes. 

Não há aqui um humor proposital de minha parte, mas é como se pudesse ouvir os risos do destino em meu ouvido, zumbindo como uma mosca, fazendo de mim uma caricatura para seu deleite infame... 

Felizmente despertei daquele sonho que ousou me mostrar a verdade, mas não sem ter gravado com fogo a mesma em meu peito ardente. E de novo posso ouvir a risada...

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