sexta-feira, 2 de março de 2018

Proporções mahlerianas

O dia amanheceu fresco, e quando olhei para o céu não havia nele nenhum indício de chuva, estava claro, brilhante, feliz. 

Meu coração, no entanto, está cinza e triste. Chove cinza aqui dentro, e é uma tempestade que vai demorar passar. 

Já não sinto mais o oco, o completo vazio no âmago da minha existência, mas sim uma quase indescritível profusão de sentimentos contrastantes que travam uma guerra sangrenta dentro de mim. Não estou mais no estágio do não sentir, mas voltei a sentir muito, de tudo um pouco.

Fui ontem obrigado a estar junto das duas pessoas que mais me têm feito sofrer ultimamente. Uma pela presença completamente incômoda, e outra pela presença querida mas que, por gostar da presença incômoda tem sido motivo de desgosto para mim. 

Parte de mim é um desejo daquela presença, para que ela seja cada vez maior. Já não é mais um saudável bem querer, mas sim uma necessidade quase obsessiva de possuir e ter para mim o seu afeto e a sua presença. É um desejo doce, em sua superfície, mas que se manifesta de maneira quase sempre violenta, tornando-se mais do que um simples desejo, mas numa completa e psicótica necessidade. 

Fui equivocado em dizer que isso ocupa apenas uma parte. Não, ocupa quase tudo do meu ser, e todo meu pensamento se converge para esse desejo. O que causa a dicotomia são os fatores que me deixam cada vez mais distante de alcançá-lo. O medo, o ódio, o desespero, tudo isso dialoga de forma complexa com o amor e o carinho que há em meu coração, tornando assim a minha existência numa sinfonia de proporções mahlerianas.

O resultado que essa estranha confluência de sentimentos causa em mim é um estado de cansaço permanente. Por operar apenas pelas simples aglutinação de problemas a minha mente pede que alguns deles sejam deixados para trás. Mas como deixar para trás o amor que pulsa tão forte dentro do meu peito? Como abandonar uma das poucas razões para existir que ainda há na minha existência patética?

Não acho que meu intelecto inferior possa encontrar uma maneira menos dolorosa de fazer isso. Não há maneira mais fácil. Eu é que busco uma maneira simples de resolver algo tão complexo. A isso chamam de indolência.

Encontro-me preso em minha própria preguiça, mais uma vez paralisado pelo meu próprio medo de mudar...

A única solução é a distância. Tanto física quanto emocional, e como o (meu) emocional só responde aos estímulos físicos, a distância física é a única solução viável. Pode significar uma fuga, e de fato creio que o seja, mas eu preciso fugir, preciso me proteger, pois um só dia a mais que eu chore pode significar a minha completa loucura. 

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