quinta-feira, 12 de novembro de 2020

A tensão que habita em mim

A graça se fez presente novamente e superabundou onde há muito havia reinado o pecado. Onde há muito chafurdava no lamaçal da miséria humana. Mas ele deixou as suas marcas, uma cicatriz profunda, uma mancha que ainda não foi apagada. Essa mancha é como um buraco negro, que me suga, que me atrai e que tenta constantemente me levar uma vez mais para aquela escuridão abissal. Ela deixa no meu peito uma impressão de um grande vazio, um vazio que só pode ser preenchido com um alguém, ela me faz crer nisso com tamanha força, tamanha veemência que eu sequer chego a questionar se essa pode não ser a maior verdade do mundo, de que sou sozinho e incompleto, tal qual ela me faz crer. 

É estranho notar como essa tensão se dá dentro do meu ser. Num instante afundado e sem nenhuma esperança de ver a luz, em outro vendo a esperança que há muito eu já não tinha; Ao acordar, no entanto, novamente me vejo atraído, não pela luz mas pela escuridão que, estando dentro de mim se fecha cada vez mais ao meu redor. A luz que, como diz o meu mestre, não estava fora mas também dentro de mim, trava uma batalha contra as trevas, mas as trevas não a compreendem, embora eu seja ainda levado de um lado a outro, entre a luz e as trevas. 

“Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior” (Santo Agostinho)

Acontece que sinto falta de algo, e já nem sei quantas milhares de vezes já disse isso. Há um vazio bem no âmago do meu coração, e eu sinto esse vazio a cada momento do dia, e procuro preencher esse vazio. Acontece que eu não sei do que é que falta em mim. Parece-me sim falta de Deus, de algo superior, que me abarca e transcende infinitamente, que sendo tão maior do que eu só pode me completar pois está muito além de mim. Parece-me, ainda, embora contra certo bom senso, que é a falta de alguém, que todo esse vazio é, somente e na verdade, apenas o meu medo de ficar e morrer só gritando desesperadamente para que alguém fique ao meu lado. Isso explica a necessidade incontrolável que tenho de ter alguém comigo o tempo todo, de precisar de um homem comigo, de sentir seus braços ao meu redor, sua voz acalmando o meu coração. 

E essa é a tensão que pulsa dentro de mim. Desde o momento em que acordo, ainda sonolento, até as tardes quentes onde os pensamentos luxuriosos me invadem a mente, até as noites tortuosas onde a solidão se faz presente fisicamente, levando-me à beira da loucura, fazendo com que eu veja amor onde não há, confundindo tesão com carinho, sendo levado por uma tsunami de confusas impressões, tão difusas entre si que facilmente poderiam me fazer crer que um pântano é um canteiro de flores ou que uma pequena mosca é um grande dragão, e em verdade é bem isso que se passa comigo, cada vez que vejo em qualquer homem a solução dos meus problemas, num estranho o meu porto seguro, numa palavra educada uma declaração de amor. É a loucura provocada pelo vazio, vazio que me enche de desespero, vazio que é como um abismo que eu mesmo cavei com as minhas mãos, agora cheias de terra, a mesma terra que a todo momento ameaça engolir-me todo o corpo e devorar-me a carne até os ossos, consumindo meu ser, me desfazendo, vazio, em mais e mais vazio. 

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