terça-feira, 17 de novembro de 2020

Sonhos do futuro

Sabe, eu já tinha até mesmo planos para o nosso futuro!? É sério! Com bastante frequência eu imaginava, provavelmente uma brincadeira de Phobetor ou Fântaso, que você diria sim, e dali em diante viveríamos juntos. Os oneiros me deram a capacidade de planejar uma vida inteira ao seu lado, esses pequenos malvados, divertindo-se às minhas custas, sussurrando em meus ouvidos as palavras que eu disse a você, sabendo eles qual seria a sua resposta, diferente da que colocaram em meu coração. 

Eu imaginava nós dois casados, eu, um escritor famoso, recluso e excêntrico, daqueles que só concede entrevistas à pessoas que muito insistiram e que provaram conhecer bem a sua obra. Você, dono de seu próprio negócio, bem sucedido, satisfeito consigo mesmo e com a vida que partilhamos.

Moraríamos numa daquelas casas de alto padrão que aparecem nas propagandas do Instagram, com uma grande porta de madeira maciça, o piso de um mármore nobre, rosa e branco. Uma casa grande, decorada com esmero, simplicidade e um bom gosto especial. Eu teria um escritório, com as paredes cobertas de prateleiras cheias de livros, e uma mesa no centro, de uma madeira escura, com papéis rabiscados e o computador de onde saem as palavras que preenchem os livros que vendem como água nas gôndolas das livrarias de mais de trinta países.

Eu passaria o dia em casa, o típico filósofo estranho que passa dias sem trocar o pijama, tentando entender uma única expressão lida num livro em alemão que em português não faz o menor sentido. Ficaria feliz e romperia com o êxtase teórico quando ouvisse você chegando, no fim da tarde, camisa branca, a calça apertada marcando o corpo forte, a mão soltando a gravata preta enquanto larga a pasta sobre o balcão. Você sorri, e eu já estou saltando em seu colo, colando nossos lábios num abraço apertado. 

Costumamos cozinhar juntos, aos fins de semana, entre maratonas de séries e filmes ou simples tardes ouvindo músicas, deitados num grande sofá ou no tapete da sala. A cozinha foi toda feita em um mármore preto, um elegância ímpar, sorrisos quando percebemos que colocamos tempero demais, ou que perdemos o ponto de caramelizar a cebola. Na bancada atrás de nós duas taças de vinho branco, a garrafa já pela metade, talvez seja melhor pedir alguma coisa pelo aplicativo? Só dessa vez. 

O vinho começa a fazer efeito, e o que era risada passa a ser uma expressão de provocação; Minha mão desce sobre o avental, você não usa mais do que isso, e percebo que não sou o único a pensar nisso. Num movimento rápido você me coloca sobre o balcão, a respiração já alta e decidida, como as nossas mãos apertando com força, eu, os músculos de seus braços, você, pressionando seu corpo sobre o seu, me empurrando lentamente contra a pedra fria, enquanto...

Gosto das tardes tranquilas, em que escolhemos algum álbum, uma sinfonia ou algum nome importante daqueles que ninguém conhece, e ficamos deitados, ouvindo, deixando que a música nos preencha, deixando que durante os minutos de acordes e fermatas o tempo pare, e esse se torne o nosso infinito particular. 

Mas essas são apenas as imagens que os deuses dos sonhos colocaram em minha cabeça, sonhos que se repetiram tantas vezes que mesmo acordado eu consigo me lembrar em detalhes, deste a cor cinza do sofá até o quadro laranja e vermelho da entrada, de um moço novo que vendia seu trabalho numa feira de artes que eu convenci você a ir. Mas esse é apenas o trabalhos deles, brincando comigo, como devem fazer com tantos outros, inclusive com você mesmo. Quem disse que deixaram de existir? Apenas influenciam os homens com uma discrição que os faz ter ainda mais poder pois, podendo agir livremente, sabem que ninguém mais culpá-los por nada, e talvez eu seja tremendamente castigado por terríveis pesadelos por dizer isso. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário