quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O que eu disse ao sol sobre você

Parte I

O passado costumeiramente gosta de maltratar, gostar de jogar algumas coisas na nossa cara. E tem de sutilezas que sequer percebemos, até grandes atos heroicos avassaladores. Ele pode colocar frente a frente inimigos, antigos amigos, que se afastaram devido a suas incertezas, devido as suas diferenças, devido aos seu sonhos que colidiam. E então cada um seguiu seu caminho. Os que juraram ser amigos para sempre não se olham mais, ignoram-se mutuamente. 

Mas, não é possível que algo assim morra e permaneça assim. Como o sol nasce novamente mesmo depois de um rigoroso inverno a amizade, o amor, pode novamente aquecer os corações que se fecharam para o frio da inimizade. 

A confusão que isso gera é como uma tempestade no mar, agitando com violência as águas brilhantes e calmas do oceano. É repleta de raios, trovões, e até mesmo destrói. Mas após isso, o sol se abre novamente, por entre as nuvens, delicado e tímido, até que uma vez mais as praias sejam banhadas por seus raios dourados, até que seu calor dissipe todo frio, todo rancor, deixando apenas na pele o toque delicado de um amigo que voltou a ser isso mesmo: um amigo. 

Parte II

A aproximação é algo lento mas, quando dois estão destinados a ficarem juntos, a se reencontrarem, as coisas aos poucos vão encontrando seu rumo, tudo parece lentamente se ajeitar. Tudo parece ficar bem. Encontra-se no outro o consolo nas dificuldades, um parceiro de estudos ou companhia nos passeios da noite. 

Mas algo nasce, algo desperta, um clique faz abrir uma caixa que há muito parecia ter sido lacrada no fundo do coração. E de repente o que há lá dentro começa a vir para fora, silenciosamente, como a névoa matutina, a circundar o mundo antes do sol lhe dissipar. É algo bom, mas que costuma confundir aqueles que não o conhecem. 

Não sei o que sinto, mas sei que sinto. Não sei dizer o que quero, prefiro ficar em silêncio e ignorar, mas isso é só porque ainda não sei o que dizer, pois para isso precisaria entender o que sinto. Mas, como disse, no fim as coisas se acertam, de um jeito ou de outro, quer entendamos ou não, e algo simples, pode fazer estalar novamente aquela percepção que estava lá, guardada no fundo do nosso coração, esperado para ser despertada.

Parte III

Um sentimento novo, que há muito estava adormecido, desperta lentamente, mudando o rumo de todos ao seu redor. O que antes era banal passou a ter uma importância gigantesca. O calor do sol é sentido agora com mais intensidade, notamos o quanto o seu toque em nossa pele é importante. Os sentidos estão aguçados, cada vez mais presentes. Cada toque, cada olhar, cada cheiro, tudo isso tem uma força sugestiva gigantesca, da qual não se pode fugir, nem mesmo quando se corre para longe. O contato entre dois corações que se amam, o contanto entre dois que se desejam, é avassalador demais para ser esquecido, é poderoso demais. 

Seja brincando nas areias de uma das praias de Phuket ou correndo para observar o pôr do sol, seja numa madrugada desperta depois de sonhos incertos, seja numa rede que se balança pela brisa de um novo amor, em tudo isso está as pequenas descobertas do que é o amor, desse amor que está no perfume de coco, no encostar dos dedos, do simples olhar silencioso, da companhia muda repleta de significados. Aos poucos é possível começar a entender. Eu não sei, mas que quero ficar perto de você e não quero que fique com mais ninguém. E isso assusta, pensar demais assusta, o novo assusta! Mas nem o medo consegue pôr fim a isso, senão que apenas o atrasa, não podendo apagá-lo completamente, ainda que se vá para longe do outro o sentimento o acompanha, seja no quarto do outro andar ou do outro lado do mundo.

Parte IV

Aquele sentimento, que apareceu quando menos esperava, de repente tomou proporções oceânicas. Já não cabe mais no peito e, tampouco podendo ser dito em voz alta, transborda em suspiros e lágrimas. E ele cresce, cada vez mais, mostrando que suas raízes estão fincadas mais profundas no coração do que se poderia imaginar. O medo também aumenta, mas a necessidade do outro é mais forte. Como conciliar o medo de si e do seus próprios desejos e a vontade de estar ao lado de quem se ama, mesmo que ainda não se saiba como se dará esse amor?

O que antes fazia feliz agora não faz mais. O que antes chamava atenção agora não é mais do que as cores que passam nas fachadas das ruas. O que prende a atenção do coração é o objeto amado, é aquele oceano que, sendo majestoso por si só, atrai todos os olhares, abafando com o som de suas ondas todo e qualquer barulho que possa interromper o seu reinado.

Mas esse oceano nem sempre fica calmo, senão que não se intimida em demonstrar a força de sua vontade. Atraindo para seu interior ele mostra, em um espelho de águas cristalinas, a verdade que há muito fingia-se não ver. E ali, no interior daquelas águas, com as bolhas de ar como testemunhas eles se entregam ao primeiro beijo, após as carícias, um beijo onde revelam a extensão do sentimento que vinha correndo entre eles como uma poderosa corrente elétrica, e que explodiu como uma onda na costa. 

O coração e o corpo agora experimentam um mundo novo. O toque dos lábios e das mãos deslizando nos corpos molhados. O bater pulsante e a respiração rápida em trazer à tona a confusão que, já prefigurada agora se manifesta em toda sua potência. É a hora da fuga, do correr para longe para não enfrentar a verdade, do negar-se a si mesmo, e do transbordar em lágrimas por querer, e por querer não querer. 

A confusão, por maior que seja, não supera o amor. Já não se sabe se amor é a palavra que conseguimos dizer ou o que sentimos com tanta intensidade que sequer conseguimos dizer. A confusão, por maior que seja, não supera o amor. E até onde se pode ir para fazer feliz aquele que se ama? O que podemos sacrificar em nome da felicidade do outro, em nome do sonho do outro? E aquele que recebe pode se apossar assim do sonho sacrificado? O amor é doação, mas nem sempre fica claro o que precisamos entregar ao outro. O amor é doação, mas de que adianta dar o mundo e perder aquele que se ama? De que adianta sacrificar-se se, no final, a infelicidade virá com a distância entre eles? 

Parte V

As nossas ações, todas e cada uma delas, têm um peso e uma consequência. E precisamos enfrentar, que oportunidades podem ser perdidas por causa do nosso medo, por causa da dificuldade em aceitar quem somos? Mas, afinal, quem somos?

Podemos nos preocupar muito com esse ou aquele aspecto do nosso ser. A entrada na universidade, a resposta a cada uma das perguntas do teste ou as respostas para as perguntas que nosso próprio coração exige resposta... Nos preocupamos em fazer os outros felizes, em não decepcionar e em não sair daquela linha que nos ensinaram desde pequeninos que deveríamos seguir, mas a questão é: não temos o direito de seguir nosso próprio caminho? Mas se nem mesmo nós aceitamos que queremos, como poderemos ser felizes? 

A felicidade também é uma questão, tão intimamente ligada ao amor que ouso dizer que são irmãos inseparáveis, de algum modo. O amor está em querer a felicidade  do amado, e essa é a forma mais bela, plena e pura de amor. É amor em seu sentido mais estrito e mais perfeito. O amor que se derrama em lágrimas pela dor que há em nós, mas que sabe que a felicidade do outro é, para quem ama, a nossa própria felicidade. Aceitar isso é de uma maturidade incrível, característica das pessoas de alma mais grandiosas que já andaram pelo mundo, e que normalmente ensinam aos outros o que é o amor, o amor ao outro, já dito, e o amor próprio, aquele que se aceita e que tem desejo de tornar-se cada vez mais si mesmo. 

E voltamos a quem somos. Somos um eu, um todo substancial, maior do que a soma de todas as pequenas partes que nos compõem, um todo tão grande quanto o pôr do sol que consegue passar pela grossa parede de nuvens e pintar o mundo todo com seu laranja, dissipando o cinza da dúvida, do medo, da insegurança, e trazendo à vida o que antes parecia tão triste. É da ponta de um cabo que o pôr do sol pode ser visto em sua totalidade, aos poucos sumindo no horizonte, pintando de rosa e laranja o céu azul do entardecer, o entardecer da vida, o amadurecer, o crescer, o ser. O ser que você me ensinou a ser. E é isso, com lágrimas nos olhos transbordando de ser, que eu disse ao sol sobre você!

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