sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Em busca da felicidade

"Taci! Chi usurpò la tua corona me cerca e te persegue! Non c’è asilo per noi, padre, nel mondo!" (Giaccomo Puccini, Turandot - Ato I)

Eu vi meu nome, e sei bem da sua sinceridade quando me diz que sou valioso em sua vida. Não discuto e nunca questionei isso, mas questiono o lugar em que ocupo em relação a você. Na frente do seu nome sempre esteve um coração, um símbolo bobo e colorido do carinho que eu tenho por você. Na frente do meu nome, que nem sequer é meu nome mas um apelido pelo qual nem você e nem ninguém nunca me chamou, não há nada. Nada! Isso também é simbólico. 

À frente do nome dela havia um sorriso e um coração. E isso também é muito significativo. O sorriso e o coração são símbolos do que há entre seu coração e ela, do que você sente. É o real. Você nutre por ela um carinho, nutre um amor em gérmen. Por mim você não nutre, senão que já um amor real, mas não é o mesmo amor, é amor que já cresceu, é amor de amigo e apenas isso. É amor, um grande amor, mas não é o amor que eu queria, o amor que eu desejava. 

Todos desejam algo, porque as coisas de certa forma nos completam. Entretanto ao ter a coisa desejada, percebemos que já não desejamos como antes e passamos a desejar outra coisa. Então, não tem como a felicidade estar nas coisas, pois elas não nos preenche totalmente.

Talvez nas riquezas, mas Santo Tomas nos responde: É impossível que a bem-aventurança do homem consista nas riquezas. Conforme o Filósofo diz no livro I da Política, há duas espécies de riquezas, as naturais e as artificiais. As riquezas naturais são aquelas pelas quais o homem é ajudado a compensar as deficiências naturais, como sejam, a comida, a bebida, as vestes, os veículos, a habitação, etc. As riquezas artificiais são aquelas que por si mesmas não auxiliam a natureza, como o dinheiro, mas a arte humana os inventou para facilitar as trocas, para que fossem como medidas das coisas venais.

É evidente que a bem-aventurança do homem não pode estar nas riquezas naturais. Buscam-se essas riquezas em vista de outra coisa, para sustentarem a natureza humana. Por isso, não podem ser o último fim do homem, porque não se ordenam ao homem como fim. Donde, na ordem natural, todas elas estão abaixo do homem, e são feitas em vista dele, conforme o Salmo 8: “Submetestes todas as coisas a seus pés” (v.8).

Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça." (Mt 8, 20)

E assim me vejo, a despeito de me usar das palavras de meu Senhor para justificar um sentimento tão abominável a ele quanto este... Perdão, Senhor, por mais esse pecado, mas eu vejo assim, sem ter onde repousar, sem lugar no mundo para mim, como se não me encaixasse aqui, e não me encaixo mesmo. 

Já disse, não raras as vezes, que seu abraço é para mim o melhor lugar do mundo. Já disse que não me importaria de segurar sua mão pelo tempo que fosse, que ouvir seu coração era uma doce melodia. Mas eu minto para mim, sendo que a verdade é que não há espaço verdadeiro, do amor que busco, para mim em seu abraço, tampouco em seu coração. 

Aqui me vejo como aqueles amantes do cântico de S. João da Cruz, com a alma inflamada, suspirando de amor, enquanto da ameia a brisa amena os seus cabelos afagava. E me maltrata usar tais comparações para o que sinto por você. Mas não sei me expressar de outra maneira e apenas sei falar do amor assim.

Talvez a vida seja vazia devido nossa agitação, talvez na solidão nos autoconhecendo seremos felizes... mas Nosso Senhor nos criou políticos.

Então talvez nas amizades, acho que aqui é o ponto. Porque, na Ética a Nicômaco, Aristóteles define a amizade de três modos: a primeira é justificada como a mais sublime, porque é o tipo de amizade que visa somente à bondade por si mesma, ou seja, busca o bem do amigo por amor ao amigo”. E nas palavras do próprio filósofo grego: “Essa espécie de amizade, pois, é perfeita tanto no que se refere à duração como a outros respeitos, e nela cada um recebe de cada um a todos os respeitos o mesmo que dá ou algo de semelhante. E é exatamente isso o que deve acontecer entre amigos.

Mas acontece que muitas vezes, devido a suas obrigações, os amigos não estão disponíveis, estão viajando, sem internet, estão resolvendo as coisas de suas casas, enfim. Assim como nós também não estamos sempre, a cada instante, ao lado deles. Não podemos estar com os amigos o tempo inteiro.

"Porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra." (Gabriel García Marquez, Cem Anos de Solidão)

A sensação de vazio se encontra nessa constatação que, não raramente, nos perfura o coroação como uma espada, que não raramente nos faz chorar, ao mesmo tempo que nos faz rir e sorrir. Mas ela em si não pode ser a completude, não é o Todo que procuramos, mas apenas parte. O que pensamos ser todo o nosso amor é uma metonímia, tomamos o torno pela parte. Os amigos que pensamos ser nossa completude são apenas sinal de Deus em nossa vida, mas não são o fim em si mesmo, daí o fato de que, não raramente também, as más amizades também podem nos levar aos piores pecados.

Mas "a verdadeira felicidade não se encontra aqui", a verdadeira amizade se encontra em Nosso Senhor. Eis o que nos completa e nos preenche de fato, mas Nosso Senhor sabe que somos materialistas, por isso Ele Se dá a nós de forma material no confessionário, na Eucaristia, no sacrário. 

E o material (uma coisa) não nos preenche, mas com as virtudes sobrenaturais, Fé, Esperança e Caridade,  conseguimos ir além desse material e nos unir ao nosso verdadeiro amigo. E assim encontramos, já aqui, a verdadeira felicidade.

O vazio deve ser, portanto, uma condição necessária ao homem. Se ele não sentir o vazio não buscará o amor, se não houver o vazio ele não buscará a Deus. O que vemos, como já foi demostrado, é que buscamos no lugar errado, nas coisas erradas. Nos mantemos na busca da felicidade terrena, ao passo que essa felicidade não é mais do que sombra, um brinquedo, em comparação da felicidade verdadeira.

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Colaboração e agradecimentos: Guilherme Arthur B. Pádua (textos em itálico, com exceção da citação)

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