terça-feira, 10 de novembro de 2020

Soledad

Eu me lembro dos momentos infinitos em que segurei a mão dele com força, em que senti sua presença real ali, total, ao meu lado. Sua respiração, a textura da pele, o perfume, seu hálito doce, os fios de cabelo cacheado nos meus olhos enquanto deitava em seu ombro. A luz tímida do painel do carro acessa. Naquele instante, naquele pequeno instante, o mundo parou, e nada mais importava. Já não era mais o ser que me mantinha na existência, mas era a sua presença ali que me mantinha, como os planetas ao redor do sol, com os seus raios de calor a iluminar a escuridão que, naquele momento, havia em meu coração. Mas o mundo tornou a girar, violentamente fui trazido de volta à realidade com um grande barulho que nos separou, uma porta que se fechou, que nos separou e não permitiu que nos aproximássemos novamente.

X

Perdi a noção do que era real. Vaguei pelos cômodos como um fantasma, cheguei a digitar várias vezes e apagar logo em seguida. Me sentei no chão, no quintal frio e escuro, observando o jardim. Todas aquelas formas, aquelas folhas e flores de várias cores e tamanhos, tudo aquilo se agitando lentamente na brisa fresca da noite me distraiu, e eu consegui me acalmar. 

Durante todo o dia havia sentido um ímpeto se mover dentro de mim. Uma vontade imensa de gritar para o mundo inteiro escutar. Fiquei dividido entre a vontade de dizer, de rasgar o meu peito e colocar para fora o que tanto me sufocava. Do outro lado a vontade contrária, bom senso ou medo, ou os dois, que não em deixava fazer isso. Fiquei paralisado, absolutamente em pânico com ambas as perspectivas, seja falar e receber de você um probabilíssimo "não" ou não dizer nada e simplesmente não acontecer nada. Nenhuma das duas perspectivas me agrada, e pensar nisso só me paralisa ainda mais. 

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Como queria que fosse diferente, como queria não precisar me preocupar com nada disso, como queria que as coisas fossem fáceis como o são para todos os outros que estampam suas vidas felizes nas páginas das redes sociais. Sorrisos, beijos e declarações de amor em belas paisagens, e eu nem sequer consigo dizer o que sinto porque sei que isso só me traria mais dor, e não, nada de amor. Eu só queria a graça de um amor tranquilo... Mas como não me entristecer sabendo que, enquanto olho para você, você olha para o outro lado, procurando justamente o amor que eu gostaria de dar, mas que você é incapaz de ver, é como diz a música, que precisamos entender que, na vida, uns nascem pra sofrer enquanto o outro ri.

X

O resultado disso é um ceticismo pessimista que se impregna profundamente no homem até o seu tutano, que circula não mais como sangue e sim como veneno por seu corpo e que, ao exalar, acaba por matar aos poucos tantos quantos se acheguem a ele. É o veneno que mata lentamente a visão que se tem do mundo, deixando apenas a ideia de que este é um mundo hostil demais, que a humanidade, que todo amor de que se diz é mentira, é apenas um subterfúgio maligno que o destino usa para torturar todos aqueles que se encontram nessa existência. Seja de frente para um belo pôr do sol na praia ou num quarto escuro numa cama vazia o sentimento é o mesmo, de que o amor é mais ou menos aquilo que disse o pensador, que "en mi soledad he visto cosas muy claras, que no son verdad." Essas coisas enchem os olhos de brilho e esperança. apenas para verterem-se em lágrimas quando tudo se desfizer, como quando, com um grande barulho, somos trazidos de volta à realidade, separados e impedidos de voltarmos a nos aproximar. 

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