quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Universo discordante


Tenho dormido quase o dia todo, me obrigado a isso. Não tem sentido ficar acordado, não há o que fazer, não há coisa proveitosa a se pensar. Nem sequer consigo entender as aulas direito, tudo me parece confuso, como que num espelho manchado, tudo me é estranho, vazio, sem contorno. Por isso eu prefiro o mundo onírico, por isso eu prefiro lá, para onde posso voltar quantas vezes forem necessárias, ainda que às custas do meu corpo físico. Mas, quem se importa com meu corpo físico não é mesmo? Que diferença faz se durmo por dez ou dezesseis horas? Que diferença faz se não tomo banho ou lavo os cabelos? Que diferença faz? 

Quando acordado a minha mente flutua automaticamente até você. E me lembro das suas piadas bobas, ou do seu carinho tímido. Me lembro do seu abraço apertado, do seu sorriso afetado. E eu queria você aqui comigo, deitado ouvindo trilhas sonoras de romances ou vendo comédias sem sentido. Não é pedir muito é? Mas parece que o universo não concorda comigo. Foi eu dizer o quanto você é importante para mim que ele logo tratou de afastar você de mim e, o pior, fazendo parecer que foi minha culpa. 

É sempre minha culpa, é sempre meu egoísmo que afasta os outros. Já me acostumei, o que não quer dizer que não doa mais, ainda dói, mas é a mesma coisa toda vez, eu sempre vou ficando para trás enquanto os outros seguem o seu caminho, e tudo o que vejo são as suas costas, sumindo ao longe no horizonte, enquanto eu fico parado, com os pés machucados e pesados demais para ir atrás. É sempre a mesma coisa e é sempre minha culpa. O sonho dos companheiros que caminham juntos? Apenas isso, um sonho. E por isso eu torno a voltar ao mundo dos sonhos, não que lá eu viva algo assim, mas pelo menos não sou obrigado a viver a partida silenciosa daqueles que amo, um a um, sem que possa mover um dedo sequer para mudar. Lá não sou obrigado a ver o carinho que os outros têm por mim transmutado em indiferença, aumentando ainda mais o horror que tenho de mim mesmo. 

Por isso eu me puno com a solitária. Sozinho no meu quarto, sem saber o que é a luz do sol, sem saber o que é a voz do outro. Tudo o que conheço é a textura das cobertas e a sensação preguiçosa de abrir os olhos, virar para o outro lado e voltar a dormir, sem viver uma vida propriamente dita. E assim deverá ser o meu fim, dormindo cada dia mais até que, um dia, não mais acorde, não mais sinta a dor da separação, não mais sinta pesar pela solidão, não mais...

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