terça-feira, 17 de junho de 2025

Portas em Luto


De luto estão as estradas
que rumam para Sião,
a suas festas, quem vem?…
Suas portas, que solidão!
Seus sacerdotes, suas jovens,
toda a cidade, aflição!

(Lamentos de Jeremias)

Desculpe por ficar emotivo e irracional demais em dias como esses. Droga. Me sinto um daqueles caras num relacionamento abusivo que pede perdão repetidas vezes pelos mesmos erros hediondos. Meu laudo de Bipolar não ajuda em nada, antes disso, testemunha contra mim. Em se tratando de você, e de estar longe de você, é difícil controlar o que sinto. Acho que meus sentimentos por você foram os últimos que restaram.

Desculpe. Desculpe. Desculpe por ser tão patético, e continuar agarrado aos seus pés.

Tinha terapia hoje, mas não vou. A quantidade de barulho hoje de manhã foi tão insuportável que decidi não sair da cama. Tomei uma dose extra de tarja preta e vou apenas escrever um pouco antes de sentir os primeiros efeitos. 

Admito que estou chateado. Mas não sua culpa, nem minha. As circunstâncias da vida tem dessas coisas... E não há muito que possamos fazer. 

Eu só queria alguém ao meu lado enquanto enfrentava feras maiores e muito mais fortes que eu querendo me devorar. 
E alguém ao meu lado quando tremia de medo. 
E alguém ao meu lado quando eu me deitei cansado, chorando aliviado. 
E alguém ao meu lado agora, na expectativa da libertação. 
Alguém ao meu lado.
Você ao meu lado.

Mas todos estavam ocupados. Sorrindo, bebendo, sendo amigos, enfim, vivendo.

X

O cara que disse “O homem comum vive uma vida de silencioso desespero” tinha um pouco de razão. Mas o trabalho também acalma os homens, dá a eles alguma coisa para fazer. E impede a maioria deles de pensar. 

Homens – e mulheres – não gostam de pensar. Para eles o trabalho é uma dádiva. Dizem a eles o que fazer e como fazer e quando fazer. 

Noventa e oito por cento dos americanos acima de 21 anos estão trabalhando, mortos-vivos. Meu corpo e minha mente me disseram que dentro de três meses eu seria um deles. Eu me opus.

(Charles Bukowski)

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Sobre o que pouco se fala

"Domingo. Dormi, acordei. Dormi, acordei. Vida miserável." (Franz Kafka)

Pouco se fala sobre algumas das verdades mais inconvenientes desse estado. Talvez porque quem se encontra nele dificilmente consegue expressar, ou porque simplesmente não querem ver ou saber dessas coisas.

Poucos falam de como os lençóis ficam fedendo depois de alguns dias, mesmo os mais frios, em que não conseguimos nos levantar e que, mesmo que incomode ficar ali, como porcos no chiqueiro, não há nada que podemos fazer. É como se a depressão saísse pelos poros, como cheiro de carne podre. Poucos falam das feridas na cabeça pelos dias que não conseguimos tomar banho, ou de como a pele perde a vitalidade, parecendo que envelhecemos anos em poucos dias. Embora muitos percebam os olhos fundos, pouco se fala do terror que é cada noite, longas e solitárias, onde queríamos apenas alguém para abraçar e de como, ao mesmo tempo, elas são reconfortantes, porque não há ninguém a dizer "sai dessa, força!" Pouco se fala de como é quase impossível levantar cedo para receber ordens de uma velha burra, como se a vida fosse isso. 

Mas como já perdemos a definição de vida, em meio aos lençóis suados, noites insones e dias de deserto, seguimos vivendo, se é que podemos chamar de vida. Seguimos, simplesmente, como aqueles espíritos rumo ao mundo dos mortos, sem propósito, vazios, sem contorno, apenas sombras flutuantes, quase sem forma.

X

Começou a chover e, mesmo já há alguns anos aqui numa das cidades que mais chovem no país, ainda me encanto em olhar pela grande porta de madeira da sala e ver os pingos de chuva refletirem a luz dourada da rua. É uma bela visão que eu gostaria de compartilhar. 

Devo admitir, a distância já era ruim quando era apenas geográfica, mas ficar sem falar com você também agora se tornou ainda pior. Queria poder sentir sua presença, já que não posso sentir o toque dos meus dedos em sua pele, ou ouvir sua risada...

A chuva para e recomeça, de tempos em tempos, e eu me encanto ao vê-la brilhar refletindo a luz dourada da rua. Queria que você visse isso comigo. Acho que vou fazer um café, forte, e ficar aqui, olhando para a rua, e o céu coberto de manto negro, enquanto todos dormem.

"Despertei, mas como não havia ninguém na minha cama para me dizer que agia errado, dormi mais um pouco." (Charles Bukowski)

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Na Prateleira


Vi duas canecas na prateleira daquela loja,
em tons de cinza e azul-escuro
ambas em fosca cerâmica

Pensei naquelas possibilidades
acordando de manhã
a luz do sol depois de uma noite de felicidades

Aquela conversa normal
de toda manhã
como passou a noite?

Essa conversa é nosso ritual
sabemos como foi a noite
abraçados de forma carinhosa e habitual

Mas são apenas e tão somente isso
como se eu estivesse sob efeito
de algum misterioso feitiço

Esses pensamentos, ou sonhos, 
devaneios enquanto olhava uma caneca
de pé naquela loja, com o rosto num pequeno riso

Eu lembrei da distância
dos quilômetros e 
de toda minha insignificância

Dei uma última olhada para as duas canecas
na prateleira daquela loja
em azul-escuro e cinza de fosca cerâmica

Fui-me embora
enquanto uma das canecas ficou
a outra apertei com um aperto no coração.

Acho que esses versos ficariam melhor em prosa. E a minha vida também.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Carcaça

Fecho os olhos em busca de uma resposta, mas só consigo ouvir alguns ruídos vindos lá de fora e minha respiração pesada, ofegante. Hoje é o dia cor de rosa, e muitos estão felizes, e esse ano eu não tenho aquela postura movida pela inveja puramente humana de achar esse dia um grande saco, não. 

Tomado eu, pois, de singular descrença no amor, apenas observo ao meu redor que fui privado dessa faculdade humana. Assim como não sei pilotar aviões ou consertar rádios analógicos. Tampouco é uma atitude condescendente e conformista, mas talvez seja tanto estoica quanto niilista ao ver que, bem, as coisas são assim, e não há como mudar. 

Não preciso aceitar passivamente, mas também não há revolta da carne ou do espírito, que possa, em exortação, me fazer traçar o caminho do meio, como que regando jardins de pedra, sem parar a caminhada rumo a sei lá o quê. 

O que eu sei é que agora estou a vagar, como um fantasma, natureza morta. Caminho entre túmulos que andam ao meu lado, mas não creio que estejam vivos, e há muito deixei de sequer tentar sobreviver. Mas, no entanto, nas noites frias, eu ainda espero, como aquela última fagulha de uma grande fogueira que se apagou, mas continua lutando para novamente se levantar em grandes labaredas, abrigo nos corações. 

Mas ninguém vê tamanha desgraça. 

Caminhando sozinho entre multidões, de tolos, enamorados, ambiciosos. 
Pensar nesses últimos me faz subir uma ânsia análoga à ânsia de um cardíaco.

Ninguém sequer nota essa de carne podre e cheia de ossos, carcaça. 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Desde Quando


Eu odeio ser produtivo por um dia 
e completamente inútil no resto deles. 
Realmente odeio. 
Fiz mais hoje do que em várias semanas, 
mas não quero sequer sair do meu quarto agora, 
e estou pensando em mil desculpas 
para não ver 
e nem falar 
com ninguém amanhã. 

Dia dos Namorados, 
todos felizes, 
mãos dadas, 
músicas românticas, 
fotos em restaurantes, 
cartas de amor ridículas,
sorrisos felizes.

E eu esqueci de tomar 
meu estabilizador de humor, 
de novo. 

Enchi a cara de energéticos 
e agora quero dormir. 

E sonhar com aqueles longínquos
trigais dinamarqueses.
Sentado na varanda com um livro
ao colo e uma caneca de café ao lado
sozinho ouvindo o sino da igreja.

Desde quando eu me importo
com a métrica ausente
se ausente também o conteúdo 
e o contorno?

Desde quando o amor
doce e tranquilo
transformou o peito dos homens
num buraco indeciso?

Desde quando esse enigma
decifrado quando a luz da lua
beija o corpo dos amados
deixou nesses mesmos corpos um estigma?

Desde quando aquele amor que eu sentia
passou a ser uma constante ansiedade
uma eterna busca por saciedade
de uma fome que eu nem sabia que existia?

Desde quando um único dia, 
pode tornar-se dolorido
incômodo, 
penoso, 
tenebroso

Ao olhar para o lado esticar o braço
e sentir nada mais 
que a frialdade do ar a cortar a carne 
como corta o aço?

Desde quando me importo 
com o tempo vindouro
com as humilhações
buscando no amor algum tesouro

que possa fazer-me esquecer
depois das tórridas oito horas
de torturas lancinantes
chegar a receber em abraços algum prazer?

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Após Três Dias

Parece que a previsão mais cedo no jornal estava certa, choveria durante a tarde. Pelo tom ameaçador das nuvens, eu arrisco dizer que vai chover bastante. Ótimo, espero que meu sono seja bom acompanhado pelo barulho da chuva. 

Dormi ontem o dia todo, mas consegui ainda um pouco de energia para ir à Missa da noite, ouvir e cantar com alegria a sequência:

"Dai à Vossa igreja, que espera e deseja, Vossos sete dons. Dai em prêmio ao forte uma santa morte, alegria eterna. Amém!"

Gosto desses detalhes da liturgia, como um hino em louvor ao Espírito que conduz a Igreja de Deus, que nos envia do céu um raio de luz. Que nos guia na solidão do pecado e da morte. Que no dá como prêmio a vida eterna. É uma beleza que faz com que as outras belezas desse mundo não se possam comparar, pelo contrário, se unem a ela, pois é da beleza eterna e imutável que nasce a beleza que nos cerca. 

No sábado eu fui a uma festa, e embora fizesse parte da organização, de algum modo, fui a contragosto, mas acabei me animando, especialmente depois de ficar mais à vontade perto de algumas pessoas, de sorrir com amigos, conversar sobre S. Tomás e Tchaikovsky, sobre amores não correspondidos, e tantas outras coisas. Admito que me senti quase vivo, como que ressuscitado após três dias.

Mas também observei muito os outros que conversavam, via para onde iam seus olhares, o que observavam, o que os fazia se animar. Vários rapazes bonitos, meninas de beleza mediana e personalidade insossa, mas ainda assim, algo nela, e nem preciso dizer que é o cheiro e aquilo que elas têm no meio das pernas (sic!) fazem com que todos olhem para elas. E assim decorreu a noite, um pouco de álcool para tornar a convivência com o outro um pouco mais suportável e vários olhares, alegres, excitados, passando a todo momento, mas nenhum deles se virou para mim. Nenhum sorriso sequer. 

Naquele ínterim eu me vi então como um jovem, desejado do desejo alheio. Algo bobo, infantil, buscando nesse desejo aprovação e, na aprovação, um sentido. Ainda não dominei isso em mim. Ainda não sou um homem, apenas moleque com palavras de erudição filosófica que, sem isso, tornam-se palha.

"Dominei duas ou três coisas em mim. Mas como estou longe dessa superioridade de que tanto necessito." (Albert Camus)

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Caminhada

Caminhei por algumas ruas que ainda não conhecia ou, pelo menos, não me recordava. Consegui diminuir um pouco da fúria que sentia e que me fazia tremer. Usei muitos dos recursos que aprendi nos últimos meses: respiração, prestar atenção plena no presente, isto é, no som da água negra se movendo lentamente, as gaivotas já preguiçosas e uma ou outra criança feliz por estar ali com os avós, enquanto eu estava sentado no concreto espinhoso do trapiche, braços apoiados no metal frio. Não havia brisa, mas, mesmo assim, meus pensamentos foram aos poucos levados.

Também tentei, de algum modo, analisar a situação sabiamente. Não se trata de algo que eu possa resolver. Aqueles que podem não querem. A minha parte eu fiz e continuo fazendo. Então essa é a realidade. O concreto embaixo de mim é real, o metal frio é real. Ainda que a situação também o seja, eu não posso mudá-la.

Num pequeno parque, já bem próximo da minha casa, eu caminhei sentindo a grama molhada pelo orvalho. Não choveu hoje, mas a umidade próxima do mar sempre deixa as folhas das plantas assim. Também fiquei ali, sem me concentrar em nada, além de duas pessoas brincando com um pequeno cachorro perto dali. Francamente, queria poder caminhar assim a noite toda. Não estava particularmente agradável, mas ainda era melhor do que voltar para casa. 

Aqui eu tento não ser dominado pelos pensamentos que me fazer querer jogar aquele monstro pela escada. Essa criatura tão espúria que eu me recuso a sequer chamá-la de gente. Quem dirá irmã. Gostaria de poder sair e não tornar a ver seu rosto senão tomado pela palidez da morte num caixão. 

Tinha um compromisso, mas minha cabeça não me permitia ficar lá, daí decidir andar um pouco. Me enfureci comigo mesmo ao saber que, naquele momento, não tinha sequer uma pessoa para quem pudesse ligar. 

Ninguém. 

Nem mesmo uma sequer.

Todos distantes, ocupados, incapazes de compreender.

Aquela que diz me amar passou os últimos dias inteiros se preocupando com aquele demônio. Amigos? Namorado? Um luxo distante para um homem como eu. Talvez devesse ter me sentado em algum ponto do caminho e contado o que sentia para as árvores do mangue.

Também tentei me isolar um pouco, infelizmente o hábito de sempre tornar a abrir as notificações precisa ser controlado. Me irritei ao ler algumas palavras. O que é isso? Um casal, em demonstração de felicidade por terem um ao outro. Um casal gay. Aberrações, foi o que devem ter pensado ao vê-los. Deveriam preferir morrer a se amarem assim, não é mesmo? Deveriam preferir morrer a amar como eu amo. 

Como uma aberração.

A fúria me enfraqueceu, meu sangue mais uma vez se transformou em veneno, pesado. Em algum lugar li que Viktor Frankl disse que "o homem se realiza a medida que se afasta de si mesmo." Não sei se era esse o sentido que ele quis dar, mas, admito, hoje me sentiria realizado se pudesse ser outro, ou nada. Mas o que posso fazer é apenas arrastar os pés sangrentos, e desejar que aquele anjo de pureza não sofra tanto naquelas mãos que sequer deveriam entre homens. E as quais me recuso chamar de irmã.

Começou a chover fraquinho lá fora, gosto desse som, talvez ele me faça companhia nesta que eu queria que fosse a derradeira noite.

~

Ao Acaso

Se na tua forma de reparares o mundo se der o acaso
de tropeçares na sombra do meu silêncio
lembra-te que foi sempre ali que esperei por ti.

(Carla Pais)

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Doença de Amor

Depois de um dia todo rodeado de crianças, e sua aparente inesgotável energia, a minha se esgotou. Preciso ficar umas boas horas na cama, no escuro e em silêncio. Talvez mais tarde levante para assistir alguma coisa, aproveitando os últimos dias antes de voltar para aquele inferno, lembrando vagamente do que disse certa vez Nietzsche de que quem não tem pelo menos dois terços de seu dia para si, não importa quem seja, é um escravo.

Também venho tentando conter outra coisa que me escraviza: meus sentimentos desordenados. Minha carência, minha dependência emocional, quase me fazem mandar mensagens humilhantes, me fazendo mais uma vez buscar abrigos em portas já fechadas. É mais uma coisa que me faz voltar ao silêncio e à solidão do meu quarto escuro. 

Disse, não faz muito tempo, que a saudade é uma doença cruel. E é verdade. Principalmente quando parece que... Não, é melhor nem dizer, não mais vez. Quantas vezes eu já me lamentei por não ser amado? Deve haver um limite do ridículo do quanto um homem pode se lamentar não é? Eu sei que sou um homem ridículo, mas até para isso deve ter um limite também. 

Me sento na cama e olho pela janela, voltou a chover. Da sala, escuto comentários esportivos. Nunca entendi, em trinta anos de vida, essa fascinação por esportes. Mas imagino que também poucos entendam meu fascínio por atores tailandeses. Vou comer algo e deitar de novo, queria que a casa estivesse vazia. Penso em quantos dias ficaria deitado sem me levantar se estivesse sozinho. Parece um claro céu e, ao mesmo tempo, um turvo inferno. 

Não sei se ouvi isso realmente ou se é fruto da minha imaginação num devaneio espiritual, mas refletir sobre o mês do Sagrado Coração fez brotar no meu coração uma prece: que o Jesus possa curar o meu jeito de amar. 

Não, não me refiro a minha sexualidade. Me refiro ao modo como eu amo até a dor, como é sempre visceral, como meu amor nunca é tranquilo, nunca é um jardim florido num caloroso dia de primavera, mas é sempre uma tempestade, é sempre demais, sempre me sufoca, e sinto que não deve ser assim. 

Não queria me medir pelos outros, mas sempre que vejo duas pessoas juntas, as vejo felizes, claro que há brigas e términos, mas quando parece real, flui naturalmente. Mas comigo, é sempre uma longa caminhada até o calvário. Meu amor parece doente, respira por aparelhos, clama pela ortotanásia. 

"(...) Por vezes um momento de silêncio é o que existe de mais arrebatador." (Virginia Woolf)

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Duas Canecas e Um Dia Vazio

Ao acordar eu coloquei duas canecas ao meu lado, na minha tinha chococino de avelã, a outra estava vazia. Mas eu sei que você iria preferir café preto, torrado, puro, sem açúcar, amargo e forte. Mas estava vazia. Tomei o meu observando a chuva cair lá fora, de um jeito preguiçoso, formando como que um véu de umidade em gotículas cinzas, sem sinais de que vai passar tão cedo.

Hoje é um dia que não existirá. Poderia até ser retirado das folhinhas de calendário das casas de todos, ou simplesmente saltar um número nas agendas online. Não importa. Talvez o dia exista, mas eu não vou existir. 

Serei apenas uma parte de uma paisagem escondida, um jardim secreto repleto de folhas secas. Serei apenas o final confuso de um romance absurdamente longo que ninguém nunca se dispôs a ler. E da prateleira de alguém que não sabe como ele foi parar lá, apenas existe, sem propósito. 

Assim serei eu hoje. 

Digo isso em verdade como espécie de marcação, afinal, já ha muito meus dias não existem. Ou sou eu que não existo mais. Passarei o dia na cama, no escuro, música baixa, ignorando tudo e todos, incluindo e principalmente, eu mesmo. Pelo menos faz frio, um frio como o das lâminas que cortam a carne de uma natureza morta. Ninguém verá a desgraça desse caixão que abriga apenas um fantasma e uma desfigurada carcaça.

Estou convencido de que a saudade é uma doença mais cruel que as do corpo. Mas também é do corpo. Dói a carne quando o coração já não quer doer sozinho. Mesmo que o amado esteja em espírito comigo, o abraço que queria, 

o beijo que queria, era o do corpo próximo.

Não sexual, ainda não, só queria sentir de novo sua pele, suas mãos, suas lágrimas. 

Quente, feliz, próximo, puro, belo, verdadeiro. 

Como o amor dos tempos de juventude. Mas acho que estou velho demais para isso. E gordo demais. Deprimido demais. E você distante demais, além de não compartilhar os mesmos sentimentos.

Terminando de vou dormir. É o único jeito de terminar o dia que eu preferia que nem tivesse começado.

sábado, 31 de maio de 2025

Vox Patris

O sol brilha forte, mas a temperatura continua baixa. O bebê sorri com toda sua fofura, e eu me derreto todo, é claro. Encontrei uma playlist de um cantor japonês que não conheço com uma excelente seleção de músicas indie. Comprei uma caneca fofa ontem. É isso, algumas alegrias pequenas, porém ainda são alegrias não é?

O grande Vox Patris se aproxima de sua casa, muitas cidades se encantam com o colossal tamanho do maior sino a ser colocado no Santuário Basílica do Divino Pai Eterno em Trindade - GO. Gosto da iniciativa para lá de ousada de colocar um sino gigante no centro de uma cidade. Num Brasil que adora perder as tradições e inventar modas toscas, a retomada dessa beleza é algo realmente notável. Independente de todas as contradições financeiras e legais, eu ainda apoiaria a causa. Vox Patrix soará retumbante anunciando as horas canônicas e a presença do Cristo na Eucaristia, e o povo de Deus, nação santa que caminha nas estradas do mundo rumo ao céu, ouvirão e entoarão louvores ao Senhor.  

O sino é sinal de convocação. Sempre chamou os fiéis para as celebrações ou outras reuniões públicas, anunciava falecimentos, vitórias, a chegada de visitantes ilustres e, claro, a alegria do Natal e da Páscoa, centro e ápice da fé cristã de onde viam todos os seus simbolismos. E então eu rogo a Deus, que esse sino a ser abençoado por gestos tão belos e simbólicos, ele é lavado ou aspergido, ungido várias vezes, recebe um nome, possa ser um sinal de convocação a cristandade para um retorno, retorno para o seio da Santa Mãe Igreja, obediente ao ensinamento de séculos, sem os achismos de nossa fraca natureza pecadora, mas fortalecidos pelo Espírito que sopra em nós a Verdade que é o próprio Cristo, e que os sinos convocam a ouvir com solicitude e firmeza. 

Assim como as águas do Batismo nos matam para o pecado e ressuscitam para uma vida nova, que seu som nos recorde essa realidade de tamanha gravidade e nos ajude a ter a firmeza, e a beleza, de seu som: que nosso, sim, seja firme e alegre. 

Assim como crismados recebemos a Confirmação do Batismo e o Espírito Santo nos desce de modo a nos tornar defensores da fé, que suas badaladas possam ser uma recordação da força de espírito que precisamos para enfrentar tantos inimigos, incluindo dentro da própria Igreja, que deram ouvidos ao inimigo, "pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais dos males espalhadas pelos ares." (Ef 6, 12).

Também assim como na hora da dor e da aflição recebemos da Santa Mãe Igreja o remédio salutar do corpo, mas principalmente da alma na Unção dos Enfermos, que o som da Voz do Pai nos dê força nessa, que a saúde, não apenas do corpo, se difunda sobre a terra.

Não é um símbolo de ostentação, é a reafirmação da maior coisa já criada: a Igreja prefigurada por Deus desde toda a Eternidade para salvação dos homens. Assim como vimos nas últimas semanas, com os sinos tocando fúnebres, o falecimento do Papa Francisco, mas dias depois cantando alegres a eleição de Leão XIV. Naqueles dias, o mundo todo se voltou para uma pequena chaminé, esperou ansioso por uma fumaça branca e o anúncio de um nome desconhecido por todos que, a partir daquele instante, se tornava pontífice entre o céu e a terra. Por isso toda grandiosidade em nome da Igreja ainda é pouca, pois querida por Cristo desde toda a eternidade e, sendo seu corpo visível, deve refletir ao máximo a glória divina para conquistar o coração duro de nós homens para que um dia a alcancemos lá no céu.

 "A Ele toda honra, glória e louvor pelos séculos dos séculos, amém!"