quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Noite entre uma nota e outra de Chopin


Mais uma noite.
E o piano — esse eco distante de um mundo que não existe mais —
me embala em melancolia.

Mais uma noite — e eu, sentado diante do nada,
escuto Chopin como quem escuta a própria alma chorar.

A música toca, mas não me toca.
Estou só, minimamente interessado em continuar vivo.

As teclas tocam o ar,
mas é em mim que a melodia se derrama, lenta,
como luz que já não ilumina.

Essa música que cai em mim, atravessa — e fico oco.
É como se o mundo tivesse sido varrido de sentido
e restasse apenas o eco do que um dia foi humano.

Pensei em ver alguma história de amor,
qualquer coisa que me distraísse do abismo,
mas o desânimo veio primeiro,
como uma maré que engole a vontade.

Tentei erguer o braço e alcançar um livro,
mas o gesto morreu antes do movimento.
A vida ficou parada numa sonata que acabou,
entre o querer e o desistir.

Não é alegria, tampouco dor:
é o espaço entre uma nota e outra,
onde o tempo suspira cansado.

É estranho:
parece que toda a alegria do mundo foi recolhida
— e o que restou foi apenas o pó do silêncio.

E esse silêncio pesa.
Pesa tanto
que até respirar torna-se um gesto inútil.

Tudo pesa.
O ar torna-se apenas uma lembrança antiga
de quando respirar ainda era possível.

Fico imóvel,
ouvindo o som que não consola,
mas existe.
Talvez seja isso o consolo —
que algo ainda exista.

E, quando a última nota morre,
sinto que é o próprio mundo que se cala em mim.

E na pausa entre uma nota e outra,
a derradeira,
eu também me apago.

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