Mar em ressaca, naquela violenta existência pós-tormenta, em que as águas cinza tudo atraem a si com a força agressiva de um titã. Observo da margem, com olhos mais cinzas e mais frios que os daquele mar. Contemplo o horizonte sem de fato olhar. Apenas sinto a absoluta solidão enquanto as águas revolvem-se diante de mim, abafando todo é qualquer som de outrem que passe atrás ou ao lado. Já não viro o olhar, não busco encontrar alguém nem tampouco que me encontrem. Talvez nem mesmo se possa dizer que exista ali, ao menos não materialmente. Ou existo apenas não materialmente, mas não completamente. Sinto-me como uma ideia, algo pairando sem muita consistência, prestes a desaparecer. Apenas observo a virulência fundamental ou, como a chama, a vida. As gaivotas voando distante são como fúrias lutando no ar. Imagino guerreiras ferrores com lanças e espadas travando uma guerra cuja motivação eu não consigo entender. Não tenho disposição para lutar mais.
Apenas observo, com os olhos cinza, cheios de nada e cansaço, a ressaca do mar depois da grande tempestade.
Penso nas pessoas que estão em casa. Não sei se o que elas tem é esperança ou desespero, o limiar entre ambos tornou-se confuso para mim. Essa espera por uma mudança, uma melhora. No próximo mês, no próximo semestre, no próximo ano. E então vejo que eles esperam essa melhora há mais de trinta anos, que vieram para o Sul em busca de uma melhora. Mas nada mudou, nada melhorou, pelo contrário, com o aumento da família apenas aumentamos o número de desesperados.
Eu não espero que as coisas melhorem. Percebi que não posso esperar nem mesmo que continuem assim. Só posso prever que elas piorem, que me esmaguem cada vez mais. Ecoam em mim os versos de Cartola, "mal começastes a conhecer a vida, e já anuncias a hora de partida (...) em cada esquina cai um pouco tua vida, em pouco tempo não serás mais o que és." Me encontro algo assim, os contornos desapareceram, sinto como se minha mente tenha perdido a capacidade de dizer quem é.
A esperança se foi, ela desapareceu como se fosse uma estátua de areia, perdeu-se no tempo e no vento. Foi triturada como num moinho, lembrando novamente o poeta, reduzida com as minhas ilusões a pó.
Mas também vieram alguns aprendizados: o mais importante deles é de não esperar nada da vida. Ela não nos dá nada. Apenas tira, e pouco a pouco vai tirando, até que não sobre mais do que isso, pó. Somos estátuas de poeira, a espera daquela pequena brisa que no leve de uma vez para sempre ao nada.
Não espero amor, tampouco amizade, nem mesmo o menor indício de compreensão. Não espero nada. Não espero que os segredos sejam revelados senão quando for melhor aos outros e mais destrutivo para mim. Não espero nada diferente da traição, do punhal cravado nas costas. Além disso, mais nada.
Não sei se quero dormir o resto do dia. Tenho começado a sentir medo dessa prisão na minha cama. Mas temo igualmente a vigília e as dores que os outros me causam. Queria poder, em silêncio, viver em eterna solidão, e não ser obrigado a esta solitária vida em meio a agitação do mundo.
que não estou bem na vida, e quero ir
para um lugar mais sossegado, ouvir
correr os rios e não ter mais penas.
Sim, estou farto do corpo e da alma
que esse corpo contém, ou é, ou fazse...
Cada momento é um corpo no que nasce...
Mas o que importa é que não tenho calma.
Tenciono só dizer que me aborreço
A hora a hora minha vida meço
E acho-a um lamentável estratagema."
(Álvaro de Campos)

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