"Amar magoa. É como se oferecer para ser esfolada, e sabendo que a qualquer momento a outra pessoa pode simplesmente ir embora levando a sua pele." (Susan Sontag)
Comentei esses dias sobre não querer ficar na prisão da cama, ao mesmo tempo que também não quero ficar acordado. E então, no meio dessa dicotomia, me vejo perdido.
Ele me disse que tem refletido em algumas mensagens, algo como meditações cristãs a partir de aforismos, como muito se fez com Imitação de Cristo ou Filoteia. Bem, a minha tendência é não acreditar mais nisso. Não enquanto essas pessoas perdem-se em devaneios floridos, cheios de bela moral cristã, e ignoram o irmão que sofre ao lado. Acho que as cicatrizes deixadas por essa decepção vão demorar sarar. Enquanto isso eu peço a graça de perdoar…
Embora já tenha tomado remédios pra dormir hoje, e acordar faltando pouco tempo pra missa, eu não queria dormir, mas também não queria ficar acordado, nem pensar no que eu faria se ficasse acordado. Essa perspectiva me incomoda. E me machuca. E acho que talvez por isso, por causa dessa incerteza sobre o que fazer, reflexo da incerteza sobre o que ser, vinda de uma longa sucessão de erros, abandonos e verdades frias como aço encaradas de frente cortando minha carne, eu deveria dormir, e não pensar em nada disso. Mais importante ainda, não pensar em ninguém.
Gostaria de poder ignorar as obrigações do fim de semana. Tem sido sempre assim, todas às vezes que eu preciso ficar muito tempo num lugar com muita gente eu me sinto enjoado e quero ir embora. Não são como um ensaio de canto, com hora para começar e acabar, mas uma festa, que começa cedo, com centenas de pessoas conversando ao mesmo tempo, nenhuma delas comigo e, ainda assim, eu preciso tirar fotos, esperar que sorriam, achar algum motivo para mostrar aos outros que aquele é um bom momento sendo que eu não acredito nisso nem sequer por um instante.
Fico diante daquela multidão com essa profunda descrença no peito. Ouvi os músicos reclamarem que o padre pediu silêncio antes da missa, mas como era uma missa festiva deveria ter um momento de músicas animadas. O que enxerguei eram pessoas que só estão esperando o momento certo para se tornarem protestantes, músicos que tiveram aquele sonho de infância frustrados e que agora extravasam isso colocando uma maldita bateria numa igreja de proporções pequenas demais para isso.
Bem, mas isso também não é um problema meu. Coloquei um headphone para abafar o som daquela bateria ridícula e segui minha vida. Penso em como vou fazer para escapar hoje a noite, e amanhã também. Bom, poderia apenas dar às costas e sair, afinal ninguém nunca se incomodou em fazer isso comigo. Todos sempre foram embora sem nenhuma explicação.
A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.”
(Álvaro de Campos)

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