“Quanto mais se ama a humanidade em geral, menos se ama o homem em particular.” (Fiódor Dostoiévski)
Em alguns momentos eu me deparo com coisas que me enchem, ou ao menos me encantam, de algum tipo de prazer. Me refiro aqueles lampejos de beleza, aquelas pequenas experiências que fazem o coração se encher. É como um suspirar: enche-me os pulmões de fôlego por um instante. Gosto delas. Muito embora não sejam nada como um sentido para a existência, claro, elas são um alento, uma espécie de bálsamo por sobre essa ferida aberta que chamam de existência.
Mas aí, como acontece com tudo que amamos, eu desejo compartilhar. Como nossa comida favorita, o filme favorito, a música favorita, a cena perfeita daquela série. No entanto, quando me lembro que, para o outro, isso nada significa, que não importa de modo algum. Essa é a constatação da distância intransponível entre duas pessoas.
E é por isso que eu silencio. Em momentos assim eu apenas aprecio, fecho os olhos e tento guardar essa experiência para mim. E não faço mais nada, porque qualquer mais que fizesse não valeria nada. Cada uma das palavras que escrevo sobre esses instantes de beleza que explodem no ar e depois desaparecem, são a minha tentativa de escrevê-las de modo profundo no meu próprio coração. Pois já desisti de tentar chegar a outro coração.
"Existe amigo mais chegado que um irmão." (Pr 19, 24)
Não duvido, mas creio que não seja o caso. Afinal, que amizade pode haver quando um dos lados só se preocupa com os outros, e deixa o amigo padecer só, sem um consolo sequer? E, o mais brutalmente irônico, é que ele correria a socorrer, e jamais esquece os pedidos feitos pelas meninas. E depois vem falar de amizade? Isso é conveniência. Sei que nossas relações são pautadas pela conveniência, mas para tudo tem um limite. Quando o discurso da amizade é apenas isso, bem, é outra demonstração da completa distância entre dois corações.
Uma vez preso no eterno retorno da solidão, talvez aceitar isso seja minha forma de tornar-me um super-homem.
Isso me leva recente publicação do primeiro documento magisterial do Papa Leão XIV, e determinado ponto me chamou atenção:
"O amor cristão é profético, realiza milagres, não tem limites. O é sobretudo uma forma de conceber a vida, um modo de a viver. Assim, uma igreja que não coloca limites ao amor, que não conhece inimigos a combater, mas apenas homens e mulheres a amar, é a Igreja que o mundo hoje precisa."
Bem, tendo a visão evangélica dos pobres, no sentido patrístico do termo, o que muito provavelmente não será percebido, essa posição cristalizada através dos séculos e uma vez mais apresentada se revela justamente pela necessidade que temos em perceber o outro. É engraçado pensar na questão do pobre, leia-se vulnerável, quando nos encontramos num estado de vulnerabilidade. Daí percebemos a necessidade de atenção do outro, da caridade cristã que transforma. Por isso a insistência de Cristo na simplicidade: a vida simples nos impede de esquecer de olhar o outro em suas necessidades.
Não estou fazendo uma defesa superficial, como a fazem os ideólogos da teologia da libertação, que acreditam que até mesmo o uso da batina seja um sinal de ostentação, mas sim uma defesa daquela vulnerabilidade que, sendo profunda, muitas vezes nem mesmo se revela visualmente no outro.
Guardadas as devidas proporções, eu me recordo de um Santo Inácio de Antioquia, bispo, que em sua prisão no caminho para Roma era, por um lado, maltratado pelos soldados e, por outro, consolado pela comunidade cristã ali presente que o reconhecia como sucessor de Pedro na sede de Antioquia. Isso porque a visão que me remonta Santo Inácio é de um homem forte, aquele autor das cartas que mostram uma Igreja firmemente centrada na Eucaristia e na vida comunitária. Mas, esse homem de voz forte, foi preso e lançado às feras.
Provavelmente um bispo não é exatamente o que pensam quando a Igreja fala em "pobre", mas isso porque, como em tudo mais, só enxergam a palavra em seu significado dicionarizado, superficial e imediato. No entanto, o pobre é aquele que se encontra em maior vulnerabilidade em dada situação.
Queria me deter um pouco mais nisso para meu próprio proveito, é claro, mas sem a pretensão de explicar isso para os outros. No entanto, prefiro fazê-lo quando eu mesmo examinar mais detidamente o texto. Essa foi apenas minha impressão após uma leitura inicial.
De algum modo, a percepção que as pessoas tiveram da mesma, a esmagadora maioria lendo apenas o subtítulo de manchetes e se detendo na "preferência pelos pobres", acabam fazendo justamente uma leitura pobre.
Isso me leva a uma certa impressão de um estado de loucura, ou de limite psicológico ao qual todos estamos submetidos. Esse sentimento de instabilidade financeira que afeta o emocional e que, por isso, nos impede de mudar a situação financeira, é como uma aglutinação de problemas. E então parece que todos estão cada vez mais impacientes.
Meu pai tem tomado para si cada vez mais a obrigação de cuidar do bebê, enquanto a minha irmã não só se afasta dessa obrigação como a faz de modo desleixado para que justamente os outros tomem para si essa responsabilidade. Mas isso se torna um peso demasiado quando se junta a instabilidade financeira que estamos passando, em partes por minha causa, já que estou desempregado e em tratamento, e fica ainda pior quando penso que não me vejo ainda recuperado o suficiente para procurar outro emprego.
Aqui reconheço certo descontrole de minha parte em pensar em problemas antes mesmo deles aparecerem. Mas já imagino, por exemplo, voltando para a docência, e fazendo de tudo, menos dar aula, ocupado com aquela maldita burocracia. O que não muda muito do meu último trabalho, onde, privado do atendimento e do contato com o outro, eu precisava resolver problemas e mais problemas. E acho que ainda não consegui me livrar disso.
É o terceiro dia da semana que quero dormir. Um amigo quer me ver. Uma amiga me chamou para sair. Mas eu só quero dormir. Queria ajudar mais com o bebê. Mas eu só quero dormir. Eu só quero dormir.
“Cada coração é um abismo; e ninguém pode atravessá-lo.” (Fernando Pessoa)

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