domingo, 19 de outubro de 2025

O Piano e o Abismo

Ao som do Concerto para Piano nº 1 em Mi menor, Op. 11, de Frédéric Chopin

O piano começou a falar, e eu soube que era de mim que ele falava. As notas se erguiam tímidas, como quem pede perdão por sentir demais. A orquestra, solene, respondia em ondas que pareciam vir do próprio tempo — antigas, dolorosas, infinitamente belas. Havia algo de oração naquelas melodias, algo de desespero também, como se o instrumento buscasse um Deus que nunca respondeu. O som não era apenas música, era um corpo tentando respirar dentro da tristeza. E, por um instante, tudo que havia em mim — a saudade, o cansaço, o amor que não se cumpriu — tornou-se som. Chopin, sem saber, contava a minha história, muito antes de eu nascer, naquele seu primeiro concerto para piano.

Fiquei acordado durante todo o dia, vi meu sobrinho brincar com um bolinho cheio de Chantilly, sorrimos bastante. 

Assisti algumas séries. "That Summer", com os Winny Satang está ótima, gostando da profundidade emocional deles e claro, apaixonado pela beleza do Satang, do Mond e do Ryu. Também teve a estreia de "Me and Who" com Big e Pak, produzida em parceria entre a WeTV e a Mandee, duas das minhas produtoras favoritas. E o último trabalho desses dois foi tão gostoso de acompanhar, mesmo tendo bem menos investimento, que eu fiquei com alta expectativa. 

Também quero, por alguma razão, assistir mais durante a noite. Toda manhã sinto o coração inquieto. Ouço uma orquestra ao longe, se erguendo infinitamente rumo ao céu. Ela anuncia uma solenidade ainda em segredo, mesmo com o sol claro dos últimos dias. É na noite que ela há de se revelar, como o prelúdio de um sentimento ainda sem nome.

O fato é que o barulho das pessoas durante o dia me incomoda, e tenho tentado assistir de fato com mais atenção, afinal defini já há muito que esse momento seria o meu momento. Mas também creio que haja mais por trás disso, por exemplo, o fato de ficar com um pouco mais de sono no dia seguinte, me ajudando no objetivo de dormir sem precisar ver ninguém. E eu definitivamente não quero ver ninguém. Não quero precisar sair do quarto durante todo o fim de semana.

Já não sei mais que nome dar a isso: se é um episódio misto ou uma manifestação do Borderline. Eu não sei mais nada. Mas sei que eu não quero me humilhar num abraço qualquer, não quero mandar mensagens o fim de semana todo como se fôssemos melhores amigos quando, na realidade, sou sempre a última das opções. Então, enquanto esse turbilhão não diminui, prefiro não ver ninguém. Se conseguisse, me afastaria completamente da internet, mas ainda não cheguei a esse ponto. 

Cada palavra minha, assim com cada nota daquela partitura para piano, é uma confissão. É um virtuosismo onde não cabe arrogância, apenas as súplicas de um homem em profunda aflição. O piano, ou eu, fala ao destino como quem pede por gentileza. Mas gentil é algo que o destino não é. 

Tentei por duas vezes ler um pouco, e só consegui umas poucas páginas. Minha atenção e minha memória estão péssimas. Minha vontade também, pífia, eu já não tenho coragem nem de comentar sobre os episódios que assisto, coisa que antes fazia com tanto prazer. Sinto que deixei partes de mim nos últimos anos, em cada esquina fui deixando um pouco de minha vida, e eu já não sei mais quem eu sou. 

Dormi o dia inteiro, após uma noite atribulada por uma crise respiratória. Teve uma tempestade durante a tarde. Não sei por qual razão deveria achar que ele pensaria em mim nessa tarde chuvosa. Não é o tipo de companhia que ele espera. Eu não sou o que ele deseja.

E então as notas, minhas palavras, se revelam uma carta de amor que não foi enviada. Uma melodia que desliza como dedos sobre a pele, num toque que nunca se completa. É o amor visto à distância, envolto em névoa, entre o desejo e o impossível. Há um perfume de ausência pairando em cada compasso, como se o próprio tempo hesitasse em avançar para não ferir o instante.

Acabei falando com ele empolgado demais, e tive o entusiasmo transformado em desilusão. A resposta fria e rápida, cortante como ferro frio. 

Minhas palavras foram como explosão. Após tanto suspirar, o piano ri, dança, corre — mas é uma alegria desesperada, quase febril. Como quem sabe que a felicidade dura o tempo exato de um acorde. O riso se transforma em vertigem. O piano é uma alma que tenta escapar de si — e termina exausta, triunfante e só.

Quando o concerto termina, o silêncio que o sucede é quase sagrado. Fica no ar a impressão de que Chopin não compôs para o público, mas para o próprio vazio, ou para mim. 

Sua obra é uma oração dita ao espelho — e o espelho responde com lágrimas e o silêncio se uma escuridão abissal.

Não sei por qual razão achei que dessa vez seria diferente. Nunca é. A vida é sempre decepção. Como eu posso ser tão burro assim? Como eu ainda posso esperar algo, de novo e de novo, depois de tantas vezes ter visto a verdade?

E quando a última nota se dissolveu no ar, percebi que o silêncio era mais sonoro do que a própria música. O mundo inteiro pareceu suspenso, como se respirasse comigo — ou por mim, já que eu mesmo não conseguia mais. Tudo que restou foi uma brisa fria atravessando a sala, e nela o eco de algo que não voltará. Chopin calou-se nos dedos do jovem virtuoso, mas o que ele disse continua vivo, latejando nas fibras rasgadas do meu peito. Por um instante, pensei que talvez eu também fosse feito apenas de som: 

uma melodia breve, 
nascida do nada, 
destinada ao nada.

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