domingo, 12 de outubro de 2025

Fantasma da Madrugada

“E se tudo o que eu vivi não passou de um ensaio para o silêncio?” (Clarice Lispector)

Às vezes o luto não é pelo que se perdeu, mas pelo que não chegou a existir. Sonhos que ficaram em rascunho também doem. Freud dizia que o inconsciente não distingue ausência de morte. Por isso sofremos até pelo que só viveu na ideia. 

Não precisei de muito para perceber o quão distante ele estava de mim. Era uma noite fresca e ele tentava sustentar diversas conversas, e eu tentava ficar quieto. Aquele sorriso dele... Saber que, mesmo comigo, ele pensava em outras pessoas, era dolorido demais. E sei também que ele não percebeu, nem meu silêncio e nem a dor que ele significava.

Uma dor por algo que nunca existiu senão na minha própria mente. Mas eu só percebi a verdade tarde demais. Ele não era eficiente ou proativo porque essas eram qualidades inerentes a ele, não, ele agia assim quando isso lhe aproximava de alguma garota. 

Ainda sinto por aquele dia, em que nas trevas mais escuras eu clamei por ele e só pude ouvir o silêncio. Nem uma centelha de luz sequer.

E cá estou eu agora, insone numa madrugada, andando pela casa como um fantasma atormentado, tendo que cantar em algumas poucas horas e sem saber se vou conseguir me manter de pé até lá. 

No fim é sempre assim: eu preciso arranjar um jeito de me manter de pé. Mesmo não querendo. Mesmo não querendo mais. Eu já desisti, e ainda continuo levantando e tentando caminhar. Mas para onde? Completamente sem rumo, sem estrela que me possa alumiar a noite. 

Tenho lutado contra certo ímpeto de ira contra a falta de organização de uma pessoa. E me incomodado com essa subserviência de outro. E ainda triste por não ser prioridade na vida de outro. Mas sei que isso se deve, boa parte, ao fato de ficar demais em casa e, com isso, acabar dando atenção demais a esse tipo de besteira. 

É como se voltasse minha atenção completamente para a banalidade do meio. Não tenho conseguido ler, embora diga que, na verdade, só mudei de ritmo. A verdade é que tenho lido bem menos. E levo uma semana para ler um artigo que normalmente acabaria em poucas horas. Minha memória anda péssima, esqueço coisas que antes me eram simples, confundo nomes, digo bobagens. 

Tento me dissociar. Pensar naquelas melodias, me fingir de sonso, mas é difícil quando tudo me convida a essa banalidade. 

E talvez dormir seja apenas outra forma de compreender o indizível. É que o muito que se acumula, o que não é dito, porque não seria compreendido, porque seria um incômodo, porque não adianta. Porque seria gastar palavras e sentimento. Mas lançá-los ao vento como farrapos…  

No fundo, eu só queria o silêncio — aquele que não pesa, aquele que acolhe. Porque todos esses sentimentos que não são ditos, ou que não podem ser expressos apenas num beijo no rosto, porque tudo que há dentro do meu coração, acaba se tornando uma tempestade, e os ventos impetuosos me machucam, me revolvem para todos os lados. E por isso eu só queria uma campina, um bosque tranquilo onde, quando chovesse, ouvisse a água bater no telhado de uma pequena casinha e nas folhas das árvores ao redor. Mas o meu silêncio é outro: é o de um fantasma que assombra meu próprio coração.

Quem sabe, quando eu adormecer, Deus sonhe comigo. Não quero respostas. Quero apenas um instante em que o tempo pare de me doer. Eu já cansei de me perguntar se ele vai gostar de mim, se ele vai me notar, se eu serei alguém diferente na multidão, mas não, não serei. A desistência era minha única escolha. Ou melhor, não era nenhuma escolha. Era apenas o único caminho à minha frente, um agreste escarpado, o qual eu preciso desbravar, sem vontade, arrastando os pés sangrentos por uma terra árida de amor.

Talvez o que chamam de sono seja a alma voltando para casa. Digo isso assim porque em todo lugar, com todas as pessoas, me sinto sempre deslocado. Eu nunca estou na mesma página que todos os outros. E, mesmo não gostando do silêncio, eu gosto mais do silêncio do que do barulho. E então, no fundo do silêncio, eu me reconheço — e isso também é dor. Há um instante, antes de adormecer, em que tudo parece ter sentido. É quando percebo que, quando mergulhar na profunda escuridão, não precisei pensar em nada, nem lembrar, e esquecer da dor da solidão absoluta, na própria solidão absoluta. Depois, o nada volta a ser Deus.

“Há momentos em que a alma se esconde atrás do corpo, cansada de sentir.” (Clarice Lispector)

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