sexta-feira, 30 de outubro de 2020

A Grande Porta

Tem algo de errado com você, sabia? Ou você sabe e simplesmente finge que não percebe? Tem algo de errado com você. Você é um objeto que pretende ser humano. Você é um vaso quebrado, sem utilidade alguma. Olhe profundamente dentro de si mesmo. Você nota a presença quase intangível e invisível que espreita sob o seu desperto no interior dos seus sonhos mais sombrios. Você sente essa verdade, sentada numa cadeira de prata, olhando diretamente para você, que está sentado no chão, sujo e miserável. 

"Eu sou o que você chama de Mundo. Ou talvez o Universo, ou talvez Deus, ou talvez Verdade, ou talvez Tudo, ou talvez Um... E eu também sou Você. Bem-vindo, tolo ignorante que não conhece o seu próprio lugar." 

(Fullmetal Alchemist Brotherhood)

Você o olha com um misto de medo e admiração, você o olha com o horror de quem sabe que aquela é a verdade, a sua verdade. Diante de mim, atrás dele, também se encontra uma grande porta, gigantesca, com imensos símbolos, um sol e outras coisas que eu não entendo o que são, cunhados profundamente no que me parece ser uma rocha, negra como petróleo. Atrás de mim há outra porta, essa com uma imensa arvore sefirótica cravada na pedra, também não sei o que isso significa. 

Ele se parece comigo mas algumas coisas são diferentes. Não tem a barba longa com quem esqueceu de se cuidar meses atrás. Não usa roupas velhas e rasgadas, pelo contrário, usa um longo manto de tecido nobre, sua pele brilha com viço, seu cabelo é liso e cai sobre parte da testa e os ombros, suas mãos estão postas sobre as pernas cruzadas e, em seu rosto, um sorriso satisfeito, de quem finalmente encontrou algo para se divertir.

Ao contrário dele eu estou sujo, minhas pernas tremem tanto que eu nem consigo me colocar de pé. Meus braços estão ralados e minhas unhas sujas de sangue e terra. Meu cabelo, macilento e desgrenhado, o olhar vazio. 

Entre nós há uma pequena mesinha de madeira, mogno. Sobre a mesa está um jarro, uma cerâmica delicada pintada de azul, clarinho. Mas ele está quebrado, pedaços ao seu redor e, no que restou, grandes rachaduras indicam que aquilo logo se desfará por completo. 

De nada adianta um jarro quebrado. Ainda que fosse possível consertar ele não seria mais do que um objeto quebrado, um remendo. Ninguém quer um vaso assim, e aquele vaso também sou eu. E ele olha para aquele vaso com um deleite estranho. 

Levanta-se, com a imponência de um rei ou de um general, e com uma das mãos lança longe aquela pequena mesinha, espalhando os cacos por toda parte. Ao colocar a capa para o lado com o braço ele revela uma espada em sua cintura. A bainha é de um negro brilhante, com pequenas gotas de cristal. Ao desembainhá-la, a lâmina revela-se fina e de um brilha espetacular, é um prateada e tem inscrições ao longo de seu corpo que eu não consegui ver o que era. Tentei entender o que se passava, ou ouvir o que ele dizia enquanto se aproximava de mim a passos lentos, os olhos azuis frios como gelo, erguendo a espada, cruzando o braço acima de seu ombro. A porta atrás dele começa a se abrir, lá dentro há uma escuridão amedrontadora e uma grande olho envolvo em tentáculos que terminam em pequenão mãos, pululando ao seu redor. Ele se aproxima com a espada erguida, vejo uma luz muito clara a me cegar. 

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