quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Horizonte

Gosto muito de olhar o céu, principalmente em dias como hoje em que o cinza deu uma trégua no azul brilhante de algumas horas atrás. Não gosto muito da luminosidade, machuca os olhos. Sempre gostei mais da penumbra, do que não se mostra claramente, daquilo que, revelando-se, esconde-se. 

Os dias nublados são sempre uma fonte inesgotável de reflexões. Abrandando o calor ele pode se tornar uma agradável experiência da clemência de um universo que se equilibra, de um todo que permanece em constante mudança; mas também pode ser uma tempestade, daquelas que destroem tudo por onde passam, acompanhada de ventos impetuosos que revolvem a terra, destampam as casas, matam os animais. É algo que mostra-se, esconde-se, e de uma forma ou de outra, não temos controle sobre ela.

As coisas que podemos controlar são mínimas. E ainda existem pessoas que dizem que os atos dos homens são mais certos que os de Deus! A verdade é que controlamos pouco ou quase nada do mundo que nos circunda. Eu posso controlar mais ou menos o horário em que como e que acordo, a roupa que visto, se vou escrever ou ler alguma coisa. Mas não vai muito além disso, ninguém controla mais do que o mundo imediatamente ao nosso redor. Nesse ponto somos parecidos com os animais, com a diferença de que eles apenas percebem o mundo ao redor, ao passo que nós, percebendo mais do que isso, não conseguimos mudar muito mais do que eles. 

Claro, podemos mudar ainda, de algum modo, o nosso futuro. Quem somos está diretamente ligado as escolhas que fazemos diante das portas que se abrem a nossa frente. Ainda que pareça que nenhuma porta se abra para que tomemos uma decisão, não tomar decisão nenhuma já é, por si mesmo, uma decisão. 

Eu permaneço sentado diante do umbral de uma dessas portas. Tomei a decisão de caminha pelo caminho daqueles que não sabem que caminho seguir. Não sei o que quero, o que procuro, o que desejo, e por isso mesmo continuo procurando. Ou talvez diga isso para me confortar perante a pressão imposta para que todos tenham e corram atrás de um objetivo. Alguém sem nenhuma perspectiva soa ao mundo uma pessoa que desperdiça a própria vida. Desculpe decepcioná-los, mas a convenção social não é suficiente para despertar em mim um interesse que possa ser objetivamente uma razão para a minha existência. Quanto a isso, a maior parte das pessoas ao meu redor aprecem carecer do mesmo problema, com a diferença de que se contentam com pequenos objetivos imediatos a serem alcançados. Não são diferentes de mim que, não sabendo o que espero ver daqui dez ou vinte anos, apenas toma pequenas decisões como não cortar a barba ou comer macarrão instantâneo ao invés de salada. 

Acontece que olhando o horizonte de um dia nublado eu sei que posso esperar pela chuva, ou pelos ventos, ou pelo som retumbante dos trovões, pelo clarão dos relâmpagos, posso esperar por essas coisas. Mas olhando o horizonte da minha existência eu não consigo contemplar mais do que o fracasso de um fim sem sentido pra uma existência sem sentido. 

Sei que eu poderia traçar algo pra mim, me debruçar em livros e mais livros... Mesmo que estudar seja uma das poucas coisas que eu ainda faça eu não vejo nisso mais do que um paliativo, um alimento pra uma sede que eu tenho, é verdade, mas que também sei que não é diferente de uma necessidade como comer ou dormir. Ainda que o faça hoje precisarei fazer amanhã também, e uma vez posto as coisas desse jeito não me parece algo tão nobre assim...

Mas o que eu estou dizendo? Se meu professor sonhar que eu penso algo desse jeito ele me mataria com certeza. Não é bem verdade que pense assim, já que a atividade intelectual é a única que me parece, num mundo de atividades inúteis e sem sentido, pelo menos capaz de tornar o homem ciente de sua própria condição. Já é alguma coisa. Por isso os homens das letras são já, por isso mesmo, maiores do que todos os outros, pois, sendo homens, conseguem eles ver a condição mesma do homem, ainda que esta seja uma visão aterradora, decepcionante, lastimável. Daí muitos dos grandes pensadores não serem pessoas muito afeitas a sorrisos e brincadeiras. Ao passo em que todas as outras pessoas parecem contentar-se facilmente com divertimentos baratos. 

Há, no entanto, uma necessidade de que os divertimentos sejam inteligentes ou que todos fossem despertos de sua letárgica condição de bonecos de corda nas mãos de um destino misterioso? Não creio que seja uma necessidade, tanto é que essas pessoas, as dos divertimentos baratos e que se contentam em não se questionar sobre a própria vida ou a razão do próprio ser, não são minoria, são a quase totalidade das massas, ao passo que aqueles que desejam o contrário são justamente vistos como os estranhos da história. Tudo bem, mas eu não gosto da sensação de estar cego, fingindo saber o que quero quando na verdade eu não faço ideia, fingindo que sei o suficiente quando na verdade não sei de nada. Ao menos o que for possível eu quero descobrir. Se a realização dos outros está no churrasco do fim de semana com musica ruim e mulheres com pouca roupa, bom, eu não faço ideia de onde esteja a minha realização, mas sei que não está ali. 

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