sábado, 17 de outubro de 2020

Erro

Eu seria imensamente grato se pudesse passar o resto dos meus dias ao seu lado, segurando sua mão ou sentindo seu cheiro no calor do seu abraço, que é o melhor lugar no mundo pra mim.

E isso porque ali, deitado em seu peito, sentindo seu hálito doce enquanto afagava a minha cabeça eu me senti feliz. Feliz como não sabia ser possível. Feliz. E era assim que eu queria continuar. Feliz. Só eu e você, abraçados, próximos, únicos. Ali era o melhor lugar do mundo pra mim. Você é o melhor lugar do mundo pra mim.

Ficar próximo de você me traz tranquilidade, me traz a paz que o mundo geralmente me rouba, me faz querer ficar ali, ao contrário de todo o resto do tempo, quando eu simplesmente não sei o que estou fazendo ou que estou querendo alguma coisa que não sei o que é. Talvez seja isso. Talvez seja o que sempre procurei. Você é o melhor lugar do mundo pra mim.

Mas eu sei, sinto, que isso não o é, senão que é apenas outra dor, senão que é apenas outra razão para sofrer, outra razão para me fazer chorar. A sua mão, que hoje me afaga, pode me soltar amanhã. E esse é meu grande medo, ficar uma vez mais sem saber o que estou buscando, sem nunca me sentir completo, como me senti deitado contigo, com nossas pernas entrelaçadas, em silêncio, simplesmente ali. É, é só isso que eu queria. Você é o melhor lugar do mundo pra mim.

Eu sinto isso quando começo a prever as suas palavras, quando a ansiedade, o medo e a paranoia começam a falar mais alto no meu coração. Eu já imagino você me deixando, já imagino o dia que você vai embora, como todos os outros, me trocando por alguém que tenha o sorriso mais doce e o olhar mais cativante. E é sempre assim. Não espero que as coisas mudem, não espero algum dia deixar de ser um erro na vida de alguém.

E é assim que me sinto: um erro. Como se meu sentimento fosse um erro, como se por isso ele não se encaixasse, como se eu não me encaixasse, em lugar nenhum, com ninguém. Eu me sinto no lugar errado, na hora errado, com o sentimento errado. Me sinto um erro, e não suporto mais ser esse erro. Queria apenas uma vez ser importante de verdade, ser alguém tão importante quanto outros o são para mim. Mas quanto mais olho ao meu redor mais eu percebo o quanto ninguém precisa de um erro, ninguém precisa de alguém que não se encaixa em lugar nenhum, alguém que só traz confusão, alguém que é a personificação de um arremedo de ser humano que nunca foi capaz de descobrir o que é o amor de verdade. 

Mas ainda assim, e exatamente por isso, eu seria imensamente grato se pudesse passar o resto dos meus dos dias ao seu lado, segurando sua mão ou sentindo seu cheiro no calor do seu abraço, que é o melhor lugar no mundo pra mim.

E sobre o que mais deveria falar? Sobre como tudo está tão chato, sobre como é tudo  assim tão frágil, vazio e sem contorno? Deveria falar contra a alegria e os sorrisos, quando eu não sei se tenho motivos para sorrir e sempre que olho ao meu redor vejo algo que podia melhorar e que, no entanto, não posso melhorar. 

Vejo o quanto esse mundo é reflexo imperfeito da eternidade. Como a transitoriedade, a fraqueza, como tudo aqui é uma sombra fraca daquilo que há de bom, puro e verdadeiro, no hiperurânio, no sobrecéu, no paraíso? 

Sobre como essa vida é uma caminhada longa e barulhenta, uma busca incessante por algo que bem sabemos bem o que é. Sobre como estou perdido e paralisado sem conseguir dar um passo sequer para mudar minha vida, para conseguir um emprego, crescer, encontrar um amor, viver uma vida de verdade e não uma existência medíocre em que a música já não diverte, senão que preenche o vazio do meu peito, o vácuo do meu próprio coração.

E só espero que não venha mais ninguém, aí eu tenho você só pra mim. Mas isso não seria verdade, você não é para mim. É apenas um sonho bobo que tive e que continuei sonhando depois de acordado. 

E continuo sem ver graça nessa constatação, nem tampouco mudá-la. Continuo incomodado com o barulho, com o aperto, com a poeira, continuo incomodado com todo e cada aspecto da minha vida, desde o computador velho e lento até o cabelo que não é liso como eu gostaria, ou a pele clara como desejava, ainda que reconheço com vergonha que não levo uma vida ruim, longe disso, mas é uma vida sem sentido. Uma vida sei graça, assim, sei lá.

Reclamo que o barulho não me deixa pensar, que atrapalha minhas intelecções, mas a verdade é que no silêncio elas também se perdem. Continuo mergulhado em letargia, invejando aqueles que, mesmo de maneira cega e desordenada, ainda têm algum propósito em mente ao chegar o fim do dia. 

Ainda não gosto do barulho das vozes e das musicas baratas, e prefiro o som das hélices do ventilador e da música baixinha no lugar daquela animação louca, aquele divertimento senil que, no entanto ninguém parece notar o quão desesperador é por revelar tão claramente a grandeza do nosso vazio, do qual fugimos e nos refugiamos na banalidade. 

E a única banalidade que eu queria era a de poder segurar a sua mão e deitar sobre seu peito mais uma vez. Eu seria imensamente grato se pudesse passar o resto dos meus dos dias ao seu lado, segurando sua mão ou sentindo seu cheiro no calor do seu abraço, que é o melhor lugar no mundo pra mim.

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