terça-feira, 20 de outubro de 2020

Um grão

Já há dois dias que a chuva cai fraquinha lá fora. O barulhinho das gotas batendo na telha ou na janela é reconfortante. Ontem foi um dia de muita correria pra mim, as coisas na igreja ficam muito agitadas em dias de solenidade e, como resolvemos celebrar a festa da padroeira que havia sido cancelada em maio por causa da pandemia, o dia foi bem cheio, e já fazia algum tempo desde a última vez que eu passava o dia assim. 

Além de ter de preparar uma celebração com tantos detalhes, desde cada alfaia até as músicas mais complexas, a ansiedade crescente deixa os músculos numa corrente permanente de tensão. Depois, quando finalmente cheguei em casa, quando a pressão foi retirada de mim, o peso do cansaço se abateu de um jeito inacreditável. Eu sequer conseguia andar ou conversar direito. Meus olhos estavam fundos, minhas mãos tremiam e, depois de ter cantado tão alto, minha voz ficou cansada por muito tempo. Quando eu finalmente dormi simplesmente apaguei. 

Hoje quando acordei eu me senti ainda muito cansado. Dormi quase o dia todo, e a chuvinha só ajudou. Não tenho tido muito no que pensar atualmente, e por isso não tenho escrito muita coisa. Acho que minha mente tem se simplificado, não é como se eu continuasse pensando em todas as coisas, cada aspecto, da minha vida e andando em círculos sem encontrar nenhuma solução. Dessa vez é como se eu estivesse letárgico. É mais simples. Eu penso no que preciso fazer, ir pra igreja e estudar, e penso no que sinto. De resto, tudo o mais é no automático. Já não penso muito em coisas como comer ou vestir. Não me preocupo. Percebi que usai a calça de pijama na missa e uma camisa nova pra dormir, também percebi que fiquei dois dias sem tomar banho e já nem sei quantos sem cuidar da pele. Só percebi que estava sem fazer a barba já há dias quando começou a machucar por causa da máscara. Não tenho me esforçado muito, e tenho me sentido bem. 

É estranho falar sobre isso, é como se tentasse explicar o nada. E estava há pouco com isso mesmo na cabeça. O nada. Não tem nada na minha cabeça, e nada é o que tenho para dizer, e ainda que mesmo assim continue dizendo o que estou dizendo é nada. E sobre o nada eu tenho profundidades. 

Tenho percebido, nos últimos tempos, que as coisas são todas uma questão de perspectiva. Todos os problemas, dificuldades, tudo isso visto de longe é completamente sem importância. Sou só um menino na porcaria de um planetinha de nada na vastidão de um universo que ninguém sabe nem se tem fim. Qual a importância dos problemas então? Aliás, qual a importância de qualquer um de nós é pífia, nenhuma na verdade. Na visão geral nossa vida é menos do que um grão. Na visão geral a nossa mísera, pequena, micro, mini, fútil, sem sentido, chata, boba, ruim, azeda, reles, lamentável, mínima vida é nada mais do que só um grão!

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