sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Subindo uma montanha

Até que ponto as lágrimas podem aliviar? E quando se olha um quadro em que belas flores rodopiam entre casais que se fitam apaixonados, de mãos dadas, e se dá conta que está de pé sozinho numa galeria deserta? 

É assim que me vejo, com uma angústia tão latente, tão pungente, que me faz querer me debulhar em lágrimas, mas as minhas lágrimas não vêm, as minhas lágrimas secaram. Mas ainda olho para o mundo com essa tristeza, essa melancolia que apenas dá lugar ao torpor, mas que logo retorna para turvar a minha visão, apertar o meu coração como uma fina corrente invisível, pouco a pouco me matando, pouco a pouco esmagando meu ser. 

E aquele quadro continua ali, os amantes continuam sorrindo e eu continuo olhando-os sem expressão, com algo preso na garganta, algo que gostaria de dizer mas não consigo, e não consigo pois sei que não resultaria nada. Que diferença faria? Sei bem que eu mais uma vez mergulhei numa paixão de mão única, confundindo carinho e atenção com um sentimento verdadeiro. Deixando que minha carência ditasse as resoluções do que vi e vivi. 

Me irrito, e já nem sei mais quantas vezes me irritei com isso, com o fato de que sempre me vejo na necessidade de ter alguém, como se faltasse algo em mim que só pudesse ser encontrado nos braços de um outro alguém. E continuo buscando nos braços que não querem se por ao meu redor. Os amplexos do meu amado não passam da poesia, quando fujo de casa pela é apenas para saciar algo momentâneo, que no minuto seguinte aparece com ainda mais força. É inútil.

Então vejo as pessoas, cada uma com alguém, ao seu modo. Contatos, namorados, maridos, eu me vejo sozinho. Apenas isso. Sozinho num silêncio que as vezes é quebrado por uma risada ou brincadeira, mas que logo torna a me ensurdecer. É sempre um ciclo de autodestruição. Eu eliminei todas as minhas expectativas em relação as outras pessoas. A dor da decepção da constatação da realidade é horrível. Prefiro aceitar desde início, antes que doa mais. Afinal, o outro é como é. 

Eu vou pouco a pouco me apegando mais do que deveria, como se subisse lentamente uma montanha, dando passos lentos, respirando com cautela. Fico hipnotizado pelo céu estrelado que se abre sobre a minha cabeça, brinco a neve sob meus pés.  Quando chego ao topo consigo ver uma bela paisagem, é aquilo que há muito estava buscando, é o meu paraíso! Mas então quando dou mais um passo eu percebo que não entrarei naquele Éden, senão que despencarei pelo desfiladeiro, caindo vertiginosamente num abismo sem fim, a pela rasgada pelos pedregulhos que me ferem a carne e rasgam minhas vestes e, no fim, mergulho na escuridão. E é isso. 

De que adianta dizer que te amo se meu amor não serve para você e o amor que tem por mim também não me serve? Na verdade não digo sobre o amor de verdade, penso que seja o mesmo amor, o meu e o seu, mas como demonstramos esse amor. Eu não quero mostrar meu amor sorrindo e brincando enquanto você sai e beija outras bocas, eu quero te abraçar, sentir você ao meu lado quando estiver na cama, compartilhar com você segredos, medos, alegrias... Eu não quero ser o amigo. Eu queria uma vez, só uma vez, ser realmente especial na vida de alguém. Não um amigo, não um parceiro de bebida, não um confidente, não um colega, nada disso. Eu queria só uma vez ser o amor de alguém, aquele amor impactante, tão aterrador quanto o amor que sinto, tão intenso, apaixonado, tão grandioso quanto o que sinto. Só uma vez eu queria me sentir mais do que um monstro que não é amado por ninguém.

Quando, da minha condenação semelhante aquelas impostas pelos antigos deuses aqueles que desafiaram os seus mandamentos, acordo, ainda cheio de ferimentos, começo novamente o mesmo percurso. Como a roda do destino que nunca cessa de girar, lançando sua espada mais uma vez. 

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