terça-feira, 13 de outubro de 2020

Encheção de saco

O estado de confusão, aquele espanto, deveria ser o início de intelecção, de todo processo de compreensão. Mas no meu caso, que parece ser claramente uma exceção, é um estado permanente de incompreensão. Ainda que não signifique não que compreenda nada, mas que ao menos compreendo que não compreendo muita coisa. 

Cresci acreditando que o amor podia tocar os corações, alcançar as pessoas. Acho que fruto dos discursos shonen ou dos filmes da Barbie, e as pessoas parecem continuar querendo que eu acredite nisso. Mas hoje eu sequer acredito no amor. Não é que e tenha substituído o ideal metafísico pelos hormônios e explicações materiais, não. Eu acredito na existência do amor, e na forma como muitos o vivem, mas não acredito que eu tenha amor. 

A minha forma de me expressar está um pouco confusa, como se já não bastasse o tema ser confuso, mas ainda estou um pouco tonto por ter acabado de acordar de um sono atribulado por vários sonhos de brigas e choros. Fui dormir culpado por uma decisão baseada puramente num desejo momentâneo, acabei me decepcionando uma vez mais, deixado no estado de confusão que mencionei. 

Mas isso também não é verdade, é apenas o que contei para mim mesmo. Não estou confuso, estava ciente de todas as implicações envolvidas naqueles abraços, beijos e carícias desde bem antes de elas começarem, e continuo ciente agora. Mas a verdade me parece dolorida, e prefiro me esconder atrás desse vidro quebrado, cujo reflexo difuso não me permite ver os olhos vazios que me fitam.

É bonito dizer que o amor é capaz de tocar os corações. Mas não havia amor ali, apenas uma sinestesia, sim, isso é verdade. A sinestesia gerou tensão sexual, os músculos se enrijeceram e enquanto as mãos se moviam confiantes, o coração se afastava dali, contemplando a superfície negra do espelho d'água, refletindo as luzes de uma casa de festas à margem, o grave da música ao fundo, cheiro de erva no ar. 

Sei que tenho um jeito sempre dramático de me expressar. Tudo é superlativo, poderoso seja na presença quanto na ausência, o vazio é tão esmagador quanto uma estrela inteira sob as costas de um homem. Mas é assim que as coisas são para mim. Um homenzinho de corpo fraco que esconde um universo em expansão, explodindo, aquecendo e se resfriando, afastando e colidindo com incontáveis outros corpos. 

Mesmo que essa forma de dizer ainda possa parecer bonita o que estou descrevendo é que até mesmo o prazer da sensualidade perdeu a forma e seus contornos, ficou sem graça. Meu amigo disse que tem medo de que as coisas percam a graça. Para mim elas já perderam. As coisas foram perdendo as cores pouco a pouco, eu fui me tornando cético, pessimista, e apenas olho o mundo ao meu redor esperando dele o pior, esperando seu fim, esperando que a qualquer momento um homem violento entre quebrando tudo ao meu redor. Aguardando ansiosamente o fim dessa encheção de saco. 

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