quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Clichês

Um fator inusitado me fez pensar em alguns aspectos da minha vida, e me deixou no chão com algumas constatações óbvias que, no entanto, eu sabia e fingia não saber, me dando uma rasa ideia do quanto ainda minto para mim mesmo, do quanto sou imaturo e do quanto ainda vivo no meio de uma tensão entre duas visões distintas da vida, do meu eu, e do meu futuro.

Não sou muito afeito de comédias românticas, ainda mais as clichês colegiais com líderes de torcida e galãs que se revelam homens gentis e sensíveis, surpreendendo a mocinha e conquistando legiões de fãs apaixonadas, iludidas com essa visão do amor como força superior, capaz de superar barreiras, capaz de nos fazer ver o que estava bem diante dos olhos, capaz de virar o mundo de cabeça para baixo num assomo apaixonado que mudará a vida dos dois para sempre. 

Pelo menos não sou afeito aos clichês ocidentais e héteros, mas isso já é um detalhe. 

Me surpreendi quando me vi empolgado assistindo algo assim. Muito provavelmente resultado de uma introspecção que nos últimos dias vinha se prenunciando e que acabei por assumir inteiramente hoje ao fugir do barulho do exterior. De qualquer modo eu quis assistir, por algum motivo masoquista que não quero investigar agora, fugindo de mim mesmo uma vez mais. Bom, que sou um covarde não é novidade para ninguém, então me deixe prosseguir.

Eu sorri de uma maneira até mesmo macabra, diga-se, quando percebi, com uma vergonha que não disfarcei, antes disso, mas que pronunciei em alto e bom som, que na verdade aquela era a história de amor que eu tanto desejo. Sim, que eu desejo, no presente. Que eu desejo mesmo declarando, com sinceridade, não crer mais no amor. Mesmo tomado de uma desesperança e olhando para as relações humanas com a mesma reação com que um cientista olha para suas plaquinhas de petri, com a mesma frialdade que um mineralogista trata suas peças. 

É essa a tensão que há em mim, e que eu buscava fingir não existir, disfarçando-a com ares de frieza quase fingida. A verdade é que eu nunca consegui esconder um sorriso ou um olhar apaixonado, mas as minhas palavras apenas conseguem cantar as tristezas e, se a boca fala daquilo que o coração está cheio, eu digo que estou repleto de desamor, mas que o que transborda ainda é o amor que sinto e que desejo sentir. 

Fechando os olhos antes de dormir, naquele exato instante entre a vigília e o sono, eu sempre vislumbro um sonho cor de rosa. Cenas bem dignas de qualquer filme adolescente água com açúcar. Eu me vejo correndo em campos ensolarados e floridos, sorrindo ao brincar na praia enquanto a espuma do mar toca as nossas pernas ou deitados em algum lugar distante, observando as estrelas enquanto cantamos ao som de um violão na companhia apenas um do outro e de uma boa dose de paixão. É o amor que sonho para mim, mesmo que seja numa história trágica, mas que ainda seja amor, amor de verdade, como nos filmes e nos livros. Se ele não existe, por qual razão falam tanto sobre ele? Por qual razão nos fazem tanto querer esse amor mais do que tudo? Por qual razão se esforçam tanto para nos convencer de que ele existe? Tentam convencer a si mesmos num raciocínio psicótico circular em que, convencendo a nós, nós os convencemos? 

É, eu penso sim nessas coisas e acabei me tornando um solteirão amargurado. É, não há forma melhor de descrever. Eu amaldiçoei o amor com as minhas palavras porque em meu coração eu o desejava mais do que qualquer outra coisa e ele me foi negado. Eu desisti do amor justamente porque sentia, e ainda sinto já que o filme não mudou isso, que ele havia desistido de mim. 

É sempre estranho assumir algo que se tentava esconder, principalmente quando se tentava esconder de si mesmo, mas acho que nunca enganei ninguém nessa história de não acreditar no amor. O meu niilismo é existencial, e o amor é apenas mais uma das coisas em que eu quero acreditar justamente por não ver razões para acreditar nele, já que essa visão, a da realidade, é demasiado dolorosa para ser suportada sem uma boa dose de clichês, e de remédios para dormir. 

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