terça-feira, 23 de abril de 2019

Entre deuses


Uma tarde silenciosa e clara. Não se houve sequer o cantar de pássaros, apenas o farfalhar delicadíssimo da brisa nas folhas das árvores. A grama dança. O dia quente e ensolarado tornou-se, repentina e sobrenaturalmente, frio. O sol desaparece e dá lugar a lua, tornando em noite o dia. Somente um ente tem poder para tal feito: a deusa da Lua que controla a escuridão profunda. A Lua brilha mais intensamente do que o próprio sol, e sua luz existe apenas para iluminar sua deusa.

No céu, sem nenhuma estrela, vê-se apenas a lua, gigantesca, refletir sua própria imagem nas águas paradas como se fossem um gigantesco espelho. Duas criaturas caminham nos céus, como se embaixo de seus pés houvesse um piso de cristal tão fino que não poderia ser visto. Todas as pessoas do mundo estão abaixo deles, olhando atentamente sem conseguir se mover. Caminham um em direção ao outro. Uma jovem de pele clara e cabelos negros, de uma beleza infantil, e olhar assustador. Ela caminha imponente, e aquela lua anuncia ao mundo sua presença e esmaga a existência de todos quanto tentam ver seu rosto. A deusa da lua e da caça. Do outro lado, um jovem alto, de cabelos dourados e olhar penetrante, imponente demais para ser um humano, mas ainda assim, mais humano do que a outra. O deus do sol, que viera ao mundo como homem para ensinar aos homens humildade e fazer-lhes despertar para a beleza.

A deusa o olha com absoluto desdém. Como pode um deus querer viver entre os humanos? Seu estado é uma desgraça para os deuses. Ele, impassível, mantém sua postura. Não desistira dos homens, como fizeram os deuses que se fecharam em suas próprias vidas eternas de alegrias nos Elíseos. Não pronunciam uma palavra sequer, ou melhor, os homens são incapazes de os ouvir, mas discutem com força seus princípios.

A humanidade precisa ser destruída. O homem mostrou-se a mais imperfeita das criações, destruindo a si mesma e a todo o resto. Sua existência é uma ofensa aos deuses. Suas preces não passam de pedidos tolos e egoístas que os deuses se negam a cumprir. Suas batalhas não são pela própria sobrevivência, mas pela destruição do próximo. O homem fracassou. A humanidade fracassou. Tristeza, ódio, por todos os lados. Mas o homem já foi bom, apenas esqueceu-se da beleza e com isso fechou-se em sua maldade. O homem deve então descobrir novamente o belo, e assim atrair para seu coração o que é bom, justo e verdadeiro, ensinamentos dos deuses que esqueceram.

Abaixo deles, dois homens, dois anjos, trajando suas glórias se encaram com violência no olhar. Aguardam o momento em que seus deuses lhe permitam lutar, mostrando com seu poder qual dentre os deuses está correto. A deusa da lua, em exigir que seu irmão volte ao seu posto de deus sol, ou o deus sol, que preferiu abdicar de sua forma divina para ensinar aos homens o que se perdeu.

Apenas uma mudança no olhar da deusa é suficiente para fazer um relâmpago voar pelo céu, fazendo estremecer a terra inteira. Seu anjo avançara em direção ao outro numa velocidade vertiginosa, e o atingira com um raio em meu ao peito que o lançara há muitos quilômetros. Como quem se levanta de uma pequena queda ele ergue-se em centésimos de segundos e já corria em direção ao outro, que sequer teve tempo de se preparar, e fez surgir naquele mesmo céu um gigantesco dragão de fogo, que consumiu tudo ao seu redor em labaredas infernais, por sua vez dissipadas por um novo raio que cruzou o céu. Não havia motivos para lutar, não haveria jamais um vencedor.

Os deuses sabiam que se eles ali lutassem tudo seria destruído, e sequer haveria um vencedor também. E os deuses eram proibidos de lutar entre si, sendo que os homens sempre lutaram em seu lugar. Seriam os homens simples marionetes dos deuses?

O encontro termina sem um vencedor. A deusa jura que um dia voltará e que seu exército o demoverá de sua tola decisão, destruindo os homens e purificando a terra. O deus se mantém forte e impávido, mostrando que ensinará aos homens que a beleza de sua arte os livrará de tantas guerras.

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