domingo, 4 de agosto de 2019

Almofadas e flores silvestres

Os meus parentes vão chegando, aos pares, todos cumprimentando, sorrindo e brincando. Nem parece que há alguns meses atrás trocavam indiretas nas redes sociais e discutiam o destino de algumas poucas terras da família que deveriam ser divididas. Vão chegando, e a conversa vai aumentando. Desde cedo o barulho não cessou por um minuto sequer. Até nesse momento eu me escondo no fundo do meu quarto, abafando com música os ruídos incômodos que vem de lá de fora. 

O ambiente está preparado. As almofadas nos divãs de madeira improvisados e as flores silvestres espalhadas pela garagem, a decoração country ficou muito bonita. É o aniversário da minha irmã, a caçula da família, que ontem completou 16 anos. Hoje é dia de fazer vista grossa a todas as atrocidades que ela cometeu. Fingimos que ela nunca fugiu de casa numa atitude absolutamente irresponsável por influência de uma amiguinha de caráter duvidável. Fingimos que ela não abandonou a escola alguns meses atrás por simplesmente não se sentir mais com vontade de estudar e por achar que isso não dá futuro algum, claro, aos 16 anos ainda está no 8° ano do Fundamental II. Mas hoje nada disso importa, o que importa é celebrar a vida! Celebrar a vida de respostas atravessadas, de dramas, de atitudes grosseiras e estúpidas, uma vida de escolhas tortas que todos acham bonitinho. 

O som já começa a aumentar o volume. Mais barulho. Desde ontem o barulho tem me incomodado mais do que o normal. Parece que ninguém mais se incomoda. Acho que, como já tem barulho demais dentro de mim o excesso de ruído aqui fora se torna um pouco demais. A música é ruim, a batida é repetitiva e a letra é, digamos, pueril, na melhor das hipóteses. Não é como se esperasse uma Edith Piaf num evento como esse mas, a banalidade da cultura consumida ao meu redor é deprimente. 

Compramos uma porção de bebidas, mas não sei se quero beber. Não tem dado muito certo. Beber desperta em mim algumas coisas que tenho lutado para mantem quietas dentro do meu peito. Por um lado eu desejo um momento de liberdade, talvez? Por outro eu tenho medo do que possa sair dali... 

O borborinho das conversas, a música alta e ruim, a iluminação exagerada, as risadas estridentes, as banalidades ditas, as bebidas infindas como se no fundo de alguma garrafa estivesse o sentido da vida. Tudo me parece vazio demais, depressivo demais. E o que eu posso fazer, se sou obrigado a sair do quarto e forçar uma máscara de sorriso sendo que, neste momento, meu maior desejo seja correr para um quarto escuro e silencioso, onde possa dormir tranquilamente sob o efeito do benzodiazepínico que desde cedo corre em minhas veias?

Sabe, não quero ir pra lá, para o barulho, para as conversas fúteis. Não quero esse tipo de relação, por mais banal e fugaz que seja. Quero fugir dessas banalidades, quero a permanência, quero a verdade. Não quero a embriaguez de uma noite ou duas, não quero a risada de algumas piadas bobas. Eu quero a profundidade dos mistérios da consciência humana, eu quero o tudo e o nada, quero compreender a imperfeição fundamental que há no coração do homem assustando a sociedade desde nosso primeiro pensamento.

Desejo a fuga. Fugir daqui, para o silêncio, a tranquilidade que me permite pensar. Fugir para a tranquilidade que se contrapõe ao caos de onde estou, todos falando, rindo e preocupados com suas relações fúteis e banais. É tudo muito superficial, tudo passageiro, tudo bobo. Não há nada ali que valha a pena lutar, conhecer, compreender. É frustrante e deprimente.

"A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento e, contudo, ele é a maior de nossas misérias." 
(Pascal)

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