quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

De um assassino


O sangue ferve como se brasas incandescentes tivessem sido colocadas dentro dele. A boca espuma em ódio, há veneno correndo pelas suas veias. A destruição torna-se um sonho doce. Os gritos, choros de pavor, o desespero que assola o coração dos impiedosos quando se deparam com a ira do deus Dragão. O olhar de aceitação do fim da vida. Um consolo para o apetite do carrasco, sedento de medo e sangue. 

O matador chora, lágrimas de sangue. Suas costas e pés estão em carne viva. Mas ninguém sente a sua dor... Não, a sua dor não importa. Importa que mate, que cumpra seu serviço. Importa que tenha em suas mãos o sangue quente de suas vítimas inocentes. 

Ele sonha, então, não com a dor daqueles que é obrigado a matar, por contrato satânico que lhe corrompera a alma, mas com aqueles demônios que o usam para fazer seu trabalho sujo. Tirar a vida que Deus lhes dera. Não passa disso: um monstro, uma ferramenta de terror nas mãos dos demônios mais baixos, mais sujos do inferno. 

É uma espada, suja com o sangue de seus inimigos, e com seu próprio sangue da muitas vezes que tentara se matar. No entanto é uma espada quebrada que, embora ainda mate, sente o fio destruído cada vez que corta a carne com a precisão de um bárbaro. Em sua boca o gosto de metal enferrujado e terra. Suor, furor, a emoção de mais uma vítima esconde sua dor por trás de uma gargalhada maligna. É o diabo que ri, é o diabo que o guia. 

Mas ele não era assim. Não havia ódio em seu coração. Era apenas uma criança sorridente mas, conforme crescia, ele via-se confuso com a tristeza e com a frieza do coração dos homens que o cercavam. Seu coração quente foi aos poucos sendo apagado pelo frio. Why they're so cold? Ele se perguntava, e não tinha nenhuma resposta. Aos poucos foi percebendo que estava sendo contaminado por aquele ar cheio de veneno, e que seu próprio sangue vertera-se em ópio. O único calor que sobrou nele foi o furor de sua ira implacável, sua sede insaciável que fora despejada como ferro derretido sobre a pele dos infantes. 

Seu lugar não é mais aqui, entre homens. Mas entre as feras que devoram as outras sem piedade. Lá, entre feras de todos os tamanhos ele se encaixa direitinho... Talvez entre as feras e monstros ele encontre seu lugar. Aquele que vive entre feras sente a inevitável vontade de também ser fera. 

Esse breve relato é um retrato do ódio que há em meu coração. É a confissão, não de um pecado, mas de uma infâmia que há em mim. O desejo do fim de meus inimigos, a angustia, a raiva arraigada em minhas entranhas até o tutano. Tudo isso faz de mim não um príncipe, mas apenas um homem vil, no sentido mais infame e mesquinho da vileza. A confissão de que matei, um a um, cada um de meus sonhos mais puros. Todos os meus objetivos pereceram ante a espada quebrada do destino. Até mesmo a vontade mais primitiva do homem, a de existir, foi consumida pelo aço frio que perfurou o meu ser.

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

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