terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Desentendimentos e abismos

Qual a razão de uma outra reflexão acerca da solidão? Acho que, como a estação das chuvas, ela sempre se renova e sempre faz presente na alma de cada um, sendo portanto uma experiência que não finda completamente, senão que apenas se metamorfoseia em outra coisa temporariamente. 

Talvez a solidão seja uma das poucas verdades absolutas da vida. Não conheço ninguém que não sofra com esta jovem dama de alguma maneira. Até mesmo as pessoas que estão sempre rodeadas por outras parecem sofrer com ela, com o desespero de ver-se precisado de muitas vozes para não ouvir o próprio coração gritar em desespero ao contemplar o próprio vazio. 

No coração dos homens há sempre momentos de tempestade e calmaria. A solidão que, como uma pantera, mostra-se forte, violenta e silenciosa, aguardando pacientemente o momento certo de cravar seus dentes fortes na carne de suas presas. 

Há momentos em que apreciamos o silêncio da solidão, e em outros somos esmagados por ele. A solidão que liberta é a mesma que aprisiona os seres numa jaula de aço, donde observamos as pessoas livres em suas ilusões viverem alegremente. 

Não, isto está errado. Acho que a chuva tem um significado triste apenas para mim que, apesar de sempre rodeado de pessoas, estou sempre confinado na cela da solidão. Sempre almejando pela liberdade de voar ao lado de alguém que almeje um céu tão alto quanto eu. Uma cobra que rasteja pelo chão só pode sonhar em voar no alto céu como o falcão. 

Mas já não vejo a companhia dos outros como uma graça que me foi negada. Vejo como algo impossível ao ser humano. Ser sozinho, embora viva em sociedade, é uma característica do homem, condenação comum a todos nós que carregamos o fardo desta espécie.

A diferença não está em ser ou não solitário, mas ter consciência ou não desta solidão. Aqueles que se dão conta desta realidade sofrem mais, isto é verdade, mas os outros também vivem uma existência de medo, sem saber donde vem aquele pavor que lhes sobe a espinha cada vez que se voltam para o abismo que há em seus corações. 

Alguns tem consciência do vazio que há bem no âmago de seu ser, e o quão apavorante isso é. Estes não conseguem disfarçar o pavor e andam sempre com um semblante abatido e combalido. É a experiência de contemplar o abismo. Outros, no entanto, não sabem de onde vem o vazio e o medo que sentem, e buscam a todo modo preencher esse vazio. 

Bebidas, sexo, festas, companhias desregradas. Os solitários conscientes de sua sina não se dão a qualquer divertimento pois sabem que nada pode completá-lhes a parte que lhes falta. Acabamos por aumentar nossa própria condição pois não aceitamos qualquer companhia. As conversas fúteis, brincadeiras frívolas, as risadas vazias, muito embora sejam prazerosas, só aumentam a sensação de vazio quando findam. É como o embriagar-se que faz desejar-se sempre mais e mais. As companhias passageiras fazem com que nos sintamos felizes por um breve período e, com isso, passamos a desejar mais e mais, até que passamos a sacrificar até mesmo quem somos em razão delas. 

Alguns de nós já decidiram por não abandonar quem somos. Não em razão de outros tão vazios e desgraçados quanto nós. Mas a solidão é como um vazio que vai nos consumindo de dentro para fora e, mesmo sozinhos, temos a sensação de que já não somos quem éramos. Isso porque como as chuvas que vêm e vão conforme as estações, também nós mudamos, embora pareça que ainda somos os mesmos. Algo de nós muda e algo de nós permanece, mas é bem difícil perceber os elementos fixadores nessa nossa alquimia de vida. 

Talvez seja então a solidão o único elemento fixo em nossa condição humana. Alguns solitários em quartos escuros, absortos em arte, ópio ou benzodiazepínicos. Outro, solitários nas rodas de amigos em meio a conversas e risadas. Cada um solitário a sua maneira, mas todos parte do mesmo rebanho de condenados a esta existência patética de desentendimentos e abismos. 

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