sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Noite de impressões


Impressões profundas e emergenciais. Talvez eu devesse ter posto-as em letras quando as tive mas, quando finalmente pude me recompor, os raios de sol já começavam a despontar na minha janela e a quantidade um pouco maior de álcool no meu organismo me dizia que era melhor que fosse dormir. Bom, infelizmente com isso acabei perdendo um pouco daquela crueza que as impressões têm quando se vêm com tamanha força numa roda de música e vodka. Terei de me contentar com a descrição poética que ora transcrevo aqui, culpa de minha pouca resistência para virar a noite em devaneios.

Pois bem, não adiemos o enterro. E sim, enterro, essa é a impressão que tive na noite. Era como se houvesse ali uma amizade enterrada. As pessoas não queriam estar ali, e nem sequer disfarçavam seu desgosto. Não sei então por qual razão ainda insistem nisso, se é algo que faz a todos infelizes. 

Eu estava profundissimamente incomodado, com a falta de ânimo e interesse, com os olhares frios e distantes direcionados a mim. É como se minha exclusão fosse a solução de tudo. Mas é bem por isso que disse tratar-se de um enterro. É uma amizade que faleceu aos poucos, minguando entre os dedos orgulhosos dos homens que traçaram para si outras prioridades.

E tudo bem! As pessoas mudam, como quase tudo nesse mundo, e vão aos poucos descobrindo o que querem de suas vidas. Alguns tem a sorte de encontrar uma razão, um sentido na existência, seja ao lado de amigos ou de suas famílias. Ainda que, ao meu ver, seja um sentido irreal e vazio ainda é um sentido e, bom, movendo aquele que o detém para algum lugar não me interessa muito saber se é ou não verdadeiro. 

Mas e quanto a mim, que ainda não sei o que quero mas já sei o que não quero viver, tomei no meu íntimo uma decisão: a de enterrar ali qualquer chance de ir atrás dessas pessoas que encontraram em si mesmas a razão de seu ser. Continuarei a buscar, sozinho que seja, as minhas respostas noutra freguesia. Me deram motivo para partir e assim eu o farei. Não há porque continuar a insistir aqui. 

Interessante notar que, antes de a noite acabar, quando a maioria dos olhares vazios foram embora, ainda ficou um no qual me encontrei de maneira singela. 

Partilhamos experiências enquanto bebíamos, a conversa flui de nós até universos distantes, levada pela mesma linha que conduz as notas numa partitura. A música foi o fio condutor de nossa noite que, em meio a risadas e lágrimas de saudade e pesar, nos fez perceber muito da condição humana: solitária, assustada, em busca de um algo que lhe dê sentido e de como buscamos esse sentido nos outros, tentando trazê-los para perto de nós, tentando imitá-los, agradá-los enquanto desagradamos a nós mesmos.

Falamos sobre como éramos unidos e como o tempo se encarregou de levar cada um ao seu próprio caminho. Ainda que nos sintamos perdidos. Sobre como crescemos e progredimos, apoiando um ao outro mas logo abandonamos isso, caindo todos na mais patética mediocridade. De irmãos partilhando a mesma comida a completos estranhos que sequer se olham nos olhos uns dos outros.

Foi um encontro ímpar e isso fez daquela noite, que começou com um ensaio sem graça onde os participantes ali estavam por pura obrigação, numa agradabilíssima experiência humana. Não pensava ainda ser possível me conectar a alguém, ainda que brevemente, com tanta profundidade. Nossas frases se completavam e ao menos o sentido mais superficial de nossa linguagem parecia ser de comum compreensão. Foi sim um momento de rara conexão. Talvez fosse a magia da música que permeava o ambiente, o brilho dos acordes, a tessitura da voz, sincera e profunda. Essas coisas me tocaram, e acho que consegui por um instante me abrir ao outro e, quem sabe, olhar também o que havia dentro do outro, atrás daquele escudo que erguemos entre nós e o mundo que nos cerca. 

Bom, de fato um noite de impressões profundas. 

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